quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pedro e sua história -Terceiro capítulo modificado



Terceiro capítulo (com inclusão de porte cortado sem querer)

Cadê os irmãos

Minha irmã Maria, casou-se com o Antônio Bento e com ele tinha dois filhos: o José Bento, meu irmão de leite (ele mamou na minha mãe – aquele guloso), seis meses mais novo que eu e o João Bento, dois anos e meio mais novo que eu. Minha irmã de cabelo preto e grande era branca como coalhada e seu marido, negro dos lábios grossos. O José Bento nasceu moreno dos olhos verdes, é mole? E o João Bento, mais queimadinho, do cabelo quase liso e um pouco gago como o pai. Eles voltam mais a frente.

Minha irmã Lázara, também branquela se casou com o José Mariano, mais moreno e teve 06 (seis) filhos: O Luiz Carlos, o Leonel, Lídia e Leivi, morenos e o Lucas e Leonardo, mais claros.

Meu irmão Antônio, um branquelo de olhos claros apelidado de Cajú, era vaqueiro sumiu no mundo e mais tarde me apareceu casado com a morena Marta, e deles nasceram todos claros, a Lucia, o Carlos, a Joviana, a Marianeusa e hoje minha cópia, o José Neto.

Minha irmã Helena, também foi buscar a sorte e embora tenha encontrado-a rapidamente por aí, nos fixamos como irmãos, vamos dizer assim, quando eu tinha dezenove anos e fui ao seu encontro e de seu marido Francisco Agostinho, outro moreno lá do Rio Grande do Norte, com quem teve 03 filhos: Maria, Rosângela, Rosana e Cristiano. Tirando a Rosângela que é loira dos olhos azuis, os demais são mais queimadinhos.

Minha irmã Tereza, sumiu procurando sua independência e só vim a encontra-la quando adulto, a partir de quando passamos a nos conhecer.

Minha irmã Divina, era só três anos mais velha que eu, a última do finado marido de minha mãe e desde pequena foi morar com os padrinhos Augusto e Ana. Como minha mãe trabalhava para eles também, eu sempre a via e a separação era um choro só. Ela por ser mais velha e ter melhor entendimento chorava mais coitada, pois não queria se apartar de mim. Mais tarde, bem mais tarde, casou-se com o bem moreno Benedito Osório e com ele teve 07(sete) filhos: o Ozório, a Beatriz, o Evaldo, o Odair, o Wender, a Kelly e a Fernanda. De todos, 03 são de olhos claros, apesar dos pais morenos.

Só para esclarecer, na irmandade todos tiveram algum filho dos olhos claros, porque minha avó era loira dos olhos claros e meu pai e tios também tinham olhos claros. Peço perdão se as vezes me esquecer de algum detalhe ou deixar de citar no início algum nome, pois não se trata de uma árvore genealógica e os nomes irão aparecendo de acordo com os fatos  que fizerem parte. Com certeza a maioria irá aparecer no momento certo.

Prova de resistência

Conforme noticiei no início minha mãe só tinha eu em casa e maior parte do ano trabalhava nas mais diversas e muitas vezes distantes fazendas. Falava-se em léguas: 1, 2, 3,4 e até mais de 5 léguas ela saia para trabalhar. Para quem não sabe uma légua equivale a 6 quilômetros. As pessoas pegavam cedo no batente, tipo 5, 6 e mais tardar 7 horas. Minha mãe gostava de chegar cedo, pelo menos as 06,00 horas e para tanto tinha que sair de casa por volta de 03,00 horas quando ia para as mais distantes e 04  a 05 horas para mais perto. Não havia creche e, portanto eu teria que acompanha-la para todos os recantos da terra. Naquele frio de doer, sem calçado, sem blusa, apenas uma calça curta e uma camisinha de algodão tinha que aquecer as canelas e pisar firme na estrada. Às vezes andava na frente, às vezes atrás e às vezes ela me dava uma pequena ajuda me carregando nas costas por algum trecho mais difícil.  Confesso que não sabia o que era pior se era a dor nas pernas ou o desconforto de ficar nas costas me agarrando firme para não cair. Minha mãe apesar de um mancado característico andava muito rápida e me carregando ou não de qualquer modo o bicho era feio: corre filho, dizia ela. Quando o sol começava a sair eu ficava mais aliviado, as onças tinha ido se esconder, o frio diminuía e os empecilhos da estrada eram mais bem vistos, para escapar dos tropeções.

Cadê a unha

Nas estradas, especialmente perto das porteiras, por onde passavam gados, cavalos, os cascos iam descobrindo as raízes das árvores, principalmente das aroeiras as quais tinham uma forte atração pelas unhas do meu pé. Na verdade tanto eram apaixonadas que ficaram com todas! Mas na ora da topada, era só um grito e saia mancando e dizendo ai,ai,ai até conseguir pisar no chão. Sentia algo quente correr entre os dedos, mas a mãe dizia, anda! E eu andava, às vezes num pé só parecendo o Saci, mas tudo valia. Ao amanhecer o dia a triste constatação: mais uma unha ficou nas raízes. Acho que as raízes de aroeiras gostavam tanto de minhas unhas porque talvez fossem nas únicas do meu corpo que não tinha vermes. Você já deu uma topada com o pé descalço numa raiz, de madrugada e fazendo muito frio? Olha, dói tanto que até anestesia no momento e você aperta tanto o pé que parece querer decepá-lo também.

Capins vampiros

Agora, de volta para casa, o duro era conseguir atravessar os trieiros, sem que aqueles capins tarados por sangue, abrissem as feridas da cabeça do dedo, como navalhas só para fazê-lo dar uma sangriazinha! Botina? Eu não conhecia esse trem não. Mas as feridas eram coisa à toa, um dia iriam sarar!  Desde que eu não passasse perto dos vampiros!

Nó na saia

Havia um rio e logo após uma porteira. A frente uma enorme fazenda plana como uma mesa. Um pequeno riacho cruzava no meio da fazenda nos tempos de chuva. Era coisa de cinema atravessar aquele riachinho no meio da planície. O dono da fazenda se chamava Otávio Pereira Guimarães. Do outro lado outra porteira, já iniciando um pequeno morro dividia com um enorme cerrado e logo depois uma mata fechada – a mata preta.  Pelo lado direito dividia com as terras dos Machados e a esquerda, com o próprio rio e a serra que alcançava a porteira de frente. Neste ponto do rio, havia uma ponte, que iria dar acesso a cidade vizinha de Coromandel.

Voltemos ao rio e a porteira de entrada da fazenda para quem vinha de nosso rancho, dos Procópios, dos Magalhães, da Escola rural, dos.....  Em muitas ocasiões o pasto daquela fazenda ficava cheio de gado e naquele tempo, ô bicho danado pra pegar sô! Para quem não sabe pegar é chifrar e o gado era muito selvagem. Tão logo minha mãe chegava à porteira, parava, levantava um pouco a saia e no alto, dava-lhe um nó. Então eu perguntava: mãe pra que está amarrando a saia? Ela me convencia: é “simpatia” filho  para que o gado não veja a gente! Eu sei que minha mãe benzia crianças de “vento virado”, “sapinho”, cobra, etc. e então, por certo estava benzendo as vacas. E às vezes, sob silêncio profundo a travessia dava certo. Outras vezes, parece que a reza não dava certo e tome carreira. Corre Pedro, dizia ela! Mas cuidado com os espinhos dos juazeiros, emendava!  Mas ao final da corrida, quando atravessava a cerca de arame farpado da divisa, a sola dos pés mais parecia com escovas de aço e da cabeça, às vezes escorria um sangue quente da ferida causada pelo arame farpado. No local atravessado lá estava um pedaço da camisa.  Catava um pouco de espinhos nos pés e reiniciávamos a jornada numa boa volta pelos Machados. Hoje fico pensando: ainda bem que nas rezas de Dona Ana, incluía amarrar a saia no alto para permiti-la correr não é?

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