Nono capítulo
Pinguelinha, pinguelinha, você
gosta de balançar sozinha
Na divisa de terras com o sr.
Pedro Miguel, havia uma grande novidade: uma pinguela (ponte móvel) feita com
cabos de aço e tábuas no fundo. No início eram tábuas firmes, mas aqueles cabos
de aço, tão compridos, balançavam de um lado para outro e pra cima e pra baixo
e a gente tinha que ficar “nego têia” para não se soltar dela. A altura era
enorme. Com o tempo aquelas tábuas foram se soltando, outras apodrecendo e
atravessar por ela era uma aventura. Fato interessante é que já nego se
agarrando de um lado, de outro, deitado no fundo para ver se ela parava de
balançar! Era muito divertido ver as pessoas atravessando e principalmente
ficar do outro lado esperando. Salvo aqueles “macacos velhos” cada um que
chegava do outro lado, tinha a cara vermelha, outros branca e muitos, a veia do
pescoço parecia querer explodir. Era uma aventura. Agora, é fato que nunca tive
notícias de alguém ter caído. Nem os tontos que ficavam bonzinhos de repente.
Mas como já disse, apesar da água lá embaixo, a altura era grande e o caboclo
se atracava naqueles cabos que nada o fazia se soltar! Tenho notícias de que ela foi arrancada e no
seu lugar foi construída uma ponte. Eu sei que tenho uma foto, mas no momento
não consegui encontra-la. Quem sabe malis a frente.
A Bocaina
Nas terras do tio Procópio existe
um local chamado Bocaina É um pequeno vale: de um lado as montanhas. De outro
uma grota que nascia nos fundos da
montanha e que corria água grande parte do tempo e passava lá embaixo perto de
nossa casa e na frente outra grota que nascia de outra parte da direita da
montanha. Dentro desta ilha veio morar a tia Antônia mais no fundo e na frente
o famoso Sebastião, casado com sua filha mais velha. Para não perder o costume
de minhas irmãs e primas, o Sebastião tinha o apelido de Tião Preto – adivinhe por
que. Teve muitos filhos e todos, gente
muito boa que foram ganhando chão e findaram se ajeitando em Uberlândia MG,
estando todos bem Graças a Deus. Eu não me lembro bem do detalhe mas há quem
diga que trabalho dava certa alergia no Tião Preto. Não tinha idade para
prestar atenção nisso e por isso não sei. Mas, sei que era amigo de todos e de
muito bom papo. E também tenho notícias
e até pude ver uma qualidade inigualável que ele tinha: o melhor pai do mundo,
um herói para os filhos e ai de quem contrariasse, e a Maria, sua esposa,
trabalhadora que nem ela só, tinha que conviver com esta realidade: as vezes
ruins para ela e ótima por causa do modo
de tratar os filhos.
Certa vez o Tião Preto, pegou um
filhote de macaco e o criava em casa: ora solto, ora preso por uma corda
dando-lhe espaços para brincar sobre um pau preso no alto. Macaco safado e
tarado: se chegava homem ele não queria papo e as vezes tentava morder e se era
mulheres o tarado arrancava da ferramenta e se danava de fazer gracinhas e simular o sexo.
Pedido de adoção
Um pequeno fazendeiro – sr.
Otávio Baixote, na região da Guariroba, vizinho do sr. Nelson Folha, Nadir, no
caminho para o Cantionil (onde quase fui queimado e suicidado por bezerros),
que além dos afazeres comuns, possuía uma plantação de café – acho que era o
único com objetivo de produção mesmo.
Esse grande homem por seu muito trabalhador e pobre homem por ser
acometido as vezes de forte depressão, sofria muito e pouca gente ou talvez na
verdade quase ninguém, sabia o que era isso e por isso dizia uns que ele ficava
doido, outros que sofria de luas e outras classificações, não por maldade mas
por desconhecimento. O caso dele era tão
sério que grande parte do ano, ele se isolava na sala e ali recebia sua comida
e os recados, mas não queria papo com a família, parecendo odiar a esposa e
filhos que julgava culpados de alguma coisa ou não lhe entendiam.
Eu quero abrir um parêntese para
falar sobre sua doença que também na época não podia compreender, assim como
todos, mas que hoje depois de longa experiência em casa, mesmo não sendo um
psicólogo ou psiquiatra, aprendi muito na prática e nas tentativas de pesquisas
literárias para entender e tentar ajudar. Por essas razões é que somente hoje
posso compreender os problemas do sr. Otávio e porque ninguém podia ajuda-lo na época. Talvez não fosse tão comum ou talvez até
fosse e era mal diagnosticada. Mas hoje parece ser uma das doenças do século e
a cada dia parece piorar. Eu poderia escrever um ou dois capítulos agora
narrando experiências do ramo, mas ficará talvez para o momento oportuno. Hoje
quero apenas introduzir um pouco do assunto para falar do sr. Otávio.
Abreviando dizem os especialistas
que “os sintomas comuns a
sensação de desamparo, falta de energia, tristeza persistente, preocupação
excessiva, baixa auto-estima, perda do interesse em atividades que se
interessava anteriormente, irritação, dúvidas excessivas e esquecimentos frequentes.
Ainda pode haver aumento ou diminuição do apetite, com alterações de peso,
aumento ou perda de sono, perda da capacidade de sentir prazer. Se alguns
desses sintomas persistirem por semanas ou meses é provável que a pessoa esteja
sofrendo de depressão.” Acrescento que uma pessoa deprimida tem forte tendência
de culpar e agredir as pessoas mais próximas: esposa, pais, filhos e até
irmãos. E que nas pessoas de fora, às vezes, são vistas pequenos momentos de
alegria e esperança nos sucessos pessoais e profissionais. Por isso, uma pena
que a família do sr. Otávio talvez nunca tenha sido convenientemente instruída
do assunto para compreenderem a ele e a si próprios, pois ninguém era culpado
ou incapaz.
Minha mãe era
sua comadre, já que ele era padrinho de minha irmã Divina, salvo engano. Era
uma comadre de confiança tanto dele quanto da esposa, a bondosa Dona Rosa. E
talvez por isso, além das muitas atividades que minha mãe era chamada como em
todas as fazendas, lá estava ela para colher, abanar e secar o café, ainda que
com outros contratados. A diferença é que durante a semana minha mãe, e eu,
claro, ficávamos hospedados na casa da fazenda. Por causa de sua impaciência ou
intolerância com a mulher e filhos, grande parte das vezes eu era seu pequeno candieiro
(quem guia os bois), quem ficava muito tempo a seu lado e lhe trazia a comida
que dona Rosa lhe preparava. Ao mesmo tempo em que era divertido, era trágico:
acontece que no início eu era muito pequeno e na minha frente vez ou outra
aparecia um cupinzeiro (morada de cupins) para eu me estatelar sobre ele. Sorte
grande é que a junta de bois dianteiros, grandes, experientes e muito mansos,
seguravam os demais para não me atropelarem. Noutros momentos por ficar de novo
olhando muito para trás, acaba montando em moitas de espinhos de onde os pés
descalços saiam muito furados e os braços e pernas bem arranhados. Acontece que
o entusiasmo de ser útil, guiar os bois do carro que transportava o café era
maior que qualquer dor ou cansaço.
E acho que foi
por aí: um menino esforçado, sempre pronto pra tudo, obediente e sem pai, com
aquela peleja de ir e vir com a mãe para todo cante é que lhe tocou muito e as
vezes insistia com minha mãe: Comadre
Sinhana, me dê este menino prá eu criar! Ele vai fazer companhia pros meus
mais novos e a senhora vai trabalhar descansada. Mas dona Sinhana não dava
moleza e respondia: não compadre, eu agradeço e sei que o sr. Tratará bem meu
filho, mas ele estará sempre entre estranhos. Seu lugar é comigo, ruim ou bom,
nós vamos sobreviver juntos. É o único que mora comigo, preciso da sua companhia
e ele dos meus cuidados e terminava: aliás
compadre, este menino é quem ainda cuidar de mim, o senhor vai ver!
Você deve
estar se perguntando se me lembro bem de todas estas palavras ditas naquela
época? Na verdade não, é claro. Me lembro bem do principal. Ocorre que em mais
de uma oportunidade anos depois, tanto minha mãe como outras pessoas repetiram
isso prá mim e como o fato me dá um orgulho danado tanto do sr. Otávio se
interessar por mim, quando outros queriam me ver longe, quanto e principalmente
pela obstinação e confiança de minha mãe. E conforme já disse e mais a frente
haverá detalhes eu e minha mãe cuidamos um do outro.
Até aqui não
relatei datas, porque ficou difícil me lembrar bem. Mas os fatos narrados
ocorreram entre 1952, ano em que nasci e 1961, quando completei 9 anos. No
próximo capítulo muda muito pois existe alguma orientação de datas aproximadas.