quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pedro e sua história - 9º capítulo



Nono capítulo

Pinguelinha, pinguelinha, você gosta de balançar sozinha

Na divisa de terras com o sr. Pedro Miguel, havia uma grande novidade: uma pinguela (ponte móvel) feita com cabos de aço e tábuas no fundo. No início eram tábuas firmes, mas aqueles cabos de aço, tão compridos, balançavam de um lado para outro e pra cima e pra baixo e a gente tinha que ficar “nego têia” para não se soltar dela. A altura era enorme. Com o tempo aquelas tábuas foram se soltando, outras apodrecendo e atravessar por ela era uma aventura. Fato interessante é que já nego se agarrando de um lado, de outro, deitado no fundo para ver se ela parava de balançar! Era muito divertido ver as pessoas atravessando e principalmente ficar do outro lado esperando. Salvo aqueles “macacos velhos” cada um que chegava do outro lado, tinha a cara vermelha, outros branca e muitos, a veia do pescoço parecia querer explodir. Era uma aventura. Agora, é fato que nunca tive notícias de alguém ter caído. Nem os tontos que ficavam bonzinhos de repente. Mas como já disse, apesar da água lá embaixo, a altura era grande e o caboclo se atracava naqueles cabos que nada o fazia se soltar!  Tenho notícias de que ela foi arrancada e no seu lugar foi construída uma ponte. Eu sei que tenho uma foto, mas no momento não consegui encontra-la. Quem sabe malis a frente.

A Bocaina

Nas terras do tio Procópio existe um local chamado Bocaina É um pequeno vale: de um lado as montanhas. De outro uma grota  que nascia nos fundos da montanha e que corria água grande parte do tempo e passava lá embaixo perto de nossa casa e na frente outra grota que nascia de outra parte da direita da montanha. Dentro desta ilha veio morar a tia Antônia mais no fundo e na frente o famoso Sebastião, casado com sua filha mais velha. Para não perder o costume de minhas irmãs e primas, o Sebastião tinha o apelido de Tião Preto – adivinhe por que.  Teve muitos filhos e todos, gente muito boa que foram ganhando chão e findaram se ajeitando em Uberlândia MG, estando todos bem Graças a Deus. Eu não me lembro bem do detalhe mas há quem diga que trabalho dava certa alergia no Tião Preto. Não tinha idade para prestar atenção nisso e por isso não sei. Mas, sei que era amigo de todos e de muito bom papo.  E também tenho notícias e até pude ver uma qualidade inigualável que ele tinha: o melhor pai do mundo, um herói para os filhos e ai de quem contrariasse, e a Maria, sua esposa, trabalhadora que nem ela só, tinha que conviver com esta realidade: as vezes ruins para ela e ótima por causa  do modo de tratar os filhos.

Certa vez o Tião Preto, pegou um filhote de macaco e o criava em casa: ora solto, ora preso por uma corda dando-lhe espaços para brincar sobre um pau preso no alto. Macaco safado e tarado: se chegava homem ele não queria papo e as vezes tentava morder e se era mulheres o tarado arrancava da ferramenta e se danava de fazer gracinhas  e simular o sexo.

Pedido de adoção

Um pequeno fazendeiro – sr. Otávio Baixote, na região da Guariroba, vizinho do sr. Nelson Folha, Nadir, no caminho para o Cantionil (onde quase fui queimado e suicidado por bezerros), que além dos afazeres comuns, possuía uma plantação de café – acho que era o único com objetivo de produção mesmo.  Esse grande homem por seu muito trabalhador e pobre homem por ser acometido as vezes de forte depressão, sofria muito e pouca gente ou talvez na verdade quase ninguém, sabia o que era isso e por isso dizia uns que ele ficava doido, outros que sofria de luas e outras classificações, não por maldade mas por desconhecimento.  O caso dele era tão sério que grande parte do ano, ele se isolava na sala e ali recebia sua comida e os recados, mas não queria papo com a família, parecendo odiar a esposa e filhos que julgava culpados de alguma coisa ou não lhe entendiam.

Eu quero abrir um parêntese para falar sobre sua doença que também na época não podia compreender, assim como todos, mas que hoje depois de longa experiência em casa, mesmo não sendo um psicólogo ou psiquiatra, aprendi muito na prática e nas tentativas de pesquisas literárias para entender e tentar ajudar. Por essas razões é que somente hoje posso compreender os problemas do sr. Otávio e porque  ninguém podia ajuda-lo na época.  Talvez não fosse tão comum ou talvez até fosse e era mal diagnosticada. Mas hoje parece ser uma das doenças do século e a cada dia parece piorar. Eu poderia escrever um ou dois capítulos agora narrando experiências do ramo, mas ficará talvez para o momento oportuno. Hoje quero apenas introduzir um pouco do assunto para falar do sr. Otávio.

Abreviando dizem os especialistas que “os sintomas comuns a sensação de desamparo, falta de energia, tristeza persistente, preocupação excessiva, baixa auto-estima, perda do interesse em atividades que se interessava anteriormente, irritação, dúvidas excessivas e esquecimentos frequentes. Ainda pode haver aumento ou diminuição do apetite, com alterações de peso, aumento ou perda de sono, perda da capacidade de sentir prazer. Se alguns desses sintomas persistirem por semanas ou meses é provável que a pessoa esteja sofrendo de depressão.” Acrescento que uma pessoa deprimida tem forte tendência de culpar e agredir as pessoas mais próximas: esposa, pais, filhos e até irmãos. E que nas pessoas de fora, às vezes, são vistas pequenos momentos de alegria e esperança nos sucessos pessoais e profissionais. Por isso, uma pena que a família do sr. Otávio talvez nunca tenha sido convenientemente instruída do assunto para compreenderem a ele e a si próprios, pois ninguém era culpado ou incapaz.

Minha mãe era sua comadre, já que ele era padrinho de minha irmã Divina, salvo engano. Era uma comadre de confiança tanto dele quanto da esposa, a bondosa Dona Rosa. E talvez por isso, além das muitas atividades que minha mãe era chamada como em todas as fazendas, lá estava ela para colher, abanar e secar o café, ainda que com outros contratados. A diferença é que durante a semana minha mãe, e eu, claro, ficávamos hospedados na casa da fazenda. Por causa de sua impaciência ou intolerância com a mulher e filhos, grande parte das vezes eu era seu pequeno candieiro (quem guia os bois), quem ficava muito tempo a seu lado e lhe trazia a comida que dona Rosa lhe preparava. Ao mesmo tempo em que era divertido, era trágico: acontece que no início eu era muito pequeno e na minha frente vez ou outra aparecia um cupinzeiro (morada de cupins) para eu me estatelar sobre ele. Sorte grande é que a junta de bois dianteiros, grandes, experientes e muito mansos, seguravam os demais para não me atropelarem. Noutros momentos por ficar de novo olhando muito para trás, acaba montando em moitas de espinhos de onde os pés descalços saiam muito furados e os braços e pernas bem arranhados. Acontece que o entusiasmo de ser útil, guiar os bois do carro que transportava o café era maior que qualquer dor ou cansaço.

E acho que foi por aí: um menino esforçado, sempre pronto pra tudo, obediente e sem pai, com aquela peleja de ir e vir com a mãe para todo cante é que lhe tocou muito e as vezes insistia com minha mãe: Comadre Sinhana, me dê este menino prá eu criar! Ele vai fazer companhia pros meus mais novos e a senhora vai trabalhar descansada. Mas dona Sinhana não dava moleza e respondia: não compadre, eu agradeço e sei que o sr. Tratará bem meu filho, mas ele estará sempre entre estranhos. Seu lugar é comigo, ruim ou bom, nós vamos sobreviver juntos. É o único que mora comigo, preciso da sua companhia e ele dos meus cuidados e terminava: aliás compadre, este menino é quem ainda cuidar de mim, o senhor vai ver!

Você deve estar se perguntando se me lembro bem de todas estas palavras ditas naquela época? Na verdade não, é claro. Me lembro bem do principal. Ocorre que em mais de uma oportunidade anos depois, tanto minha mãe como outras pessoas repetiram isso prá mim e como o fato me dá um orgulho danado tanto do sr. Otávio se interessar por mim, quando outros queriam me ver longe, quanto e principalmente pela obstinação e confiança de minha mãe. E conforme já disse e mais a frente haverá detalhes eu e minha mãe cuidamos um do outro.

Até aqui não relatei datas, porque ficou difícil me lembrar bem. Mas os fatos narrados ocorreram entre 1952, ano em que nasci e 1961, quando completei 9 anos. No próximo capítulo muda muito pois existe alguma orientação de datas aproximadas.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pedro e sua história - 8° capítulo



Oitava capítulo

Bicicleta maluca – só de me lembrar começo a rir

Teve uma época que o Ronan, filho do Hilário, lembra? Pois é, ele ganhou sua primeira bicicleta. Ele podia, o pai era fazendeiro, catireiro e tinha até um jeepe. Contudo ele não sabia andar e lá ao redor de casa tinha um lugar bão pra cair. Era um campo velho de futebol e uma estrada larga de terra macia. Era a conta dele montar e tibuf - caía. Eu era seu ajudante. Ele montava eu empurrava ele caia. Foi assim até que ele pegou o primeiro equilíbrio saiu pedalando feito um doido e quando quis não sabia parar e então a valeta da estrada fez isso pra ele. Depois de bem sujo e esfolado, finalmente me deixou tomar uns dois ou três tombos. E ainda tem gente que pensa que o causo do Geraldinho com a tal da bicicleta era invenção! Mas era bonita aquela danada, viu? Toda colorida... cheia de rodas bonitas – só duas né? Bem, é preciso dar um desconto por ficar tão impressionado, afinal foi a primeira que vi e toquei! Mas que era bonita era!  Por isso que meu sonho era comprar uma bicicleta e um carro de bois cantando, cortando as estradas e aqueles bois todos aparelhados... e eu gritando: vamos malhado, vamos rochão, vamos... passou a vontade, agora eu queria mesmo é uma Ferrari, uma..., uma.....deixa prá lá também, tô até bem montado, pra quem não tinha uma bicicleta! Obrigado meu Deus, Você é cabra bão e nunca me deixou quieto. Quase me mata de tanto trabalhar e estudar, mas continua bão comigo. Não se preocupem com meus modos, Ele me conhece melhor que todos e sabe bem do que falo e do quanto lhe credito meus humildes sucessos.       

Descuido

Minha mãe às vezes cometia seus descuidos. Um dia saímos de casa com destino a casa dos monteiros, que eu chamava de tios por afinidade a minha tia Antônia, mãe do João Alves, lembra?  Para chegar lá se passava na porta da fazenda do famoso Hilário e em seguida um pequeno riacho que descia exatamente lá dos Monteiros (família monteiro que moravam meio reunidos, como num quilombo. Este pequeno riacho desagua no rio Carrapato. Acontece que quando o rio carrapato se enchia represava o riacho e este mesmo com a água limpinha se tornava cheio e profundo. Não sei se porque estava um pouco escuro, minha mãe foi chegando e mandando ver, puxando-me pela mão. Quando ela viu, estava com a água no pescoço e me levantando pra cima da cabeça. Menino foi um sufoco e só não foi drástico porque a água estava parada, sem força e o riacho era estreito! Dois ou três pulos e lá estávamos do outro lado do riacho! Olha, já estava meio escuro e não sei se vi muito bem, mas acho que minha mãe estava meio branca e sua respiração bem ofegante quando chegamos do outro lado. È meu filho minha mãe era durona e não dava muito “o braço a torcer” mas ela passou medo e claro, mais por minha causa. Ôh mãe! Que saudades!.

Êta carne dura

Meu tio Pedro Salvino era um homem metido a valente e me parece que já foi daqueles delegados nomeados que buscava o caboclo amarrado no rabo do cavalo. Logo, era valente mesmo, né? O que de fato sei é que ele não largava de uma espingarda de duas bocas. Ele sumia e de vez em quando aparecia por ali e minha mãe parecia ter muita cautela com ele, embora sempre brava. As vezes ele chegava com um cabrito, pendurava na entrada da sala e alí tirava o couro do bicho. Certa vez ele apareceu com nada e ouvindo as seriemas cantarem no alto da serra disse: Pedro, vamos ali buscar uma galinha daquelas.  Não, o Pedro não vai, interviu minha mãe. Deixa de bobagem Sinhana, eu cuido do menino, disse ele! E pronto, lá fui eu com ele enquanto minha mãe ficava num pé e noutro. Acho que a razão da cisma de minha mãe é porque  certo dia ele disse: menino cê cala a boca senão eu ...., - não me lembro bem qual foi a palavra ameaçadora, mas assustou – a ela e a mim, claro.  Besteira, né? Mas desde então minha mãe ficou com “a pulga atrás da orelha”.  Pois bem, lá fomos nós seguindo o canto das siriemas e depois de subir um grande morro e ir descendo doutro lado, só ouvi os tiros: foram dois e lá estavam as duas “galinhas” estendidas.  Voltamos com as duas galinhas conforme ele, mas acho que só tomamos o caldo porque ficou o dia inteiro na panela cozinhando!
Noutra oportunidade o mesmo tio Pedro me chamou para pescar no rio Carrapato. Para quem não sabe, ou não se lembra, o rio tinha muita água e a gente não o atravessava em qualquer ponto e sim nos locais onde era mais raso e abria no barranco locais para o gado beber água e estes locais se chamavam de “aguadas”. Na época não conhecia outros rios senão ele, o Carranca e os córregos vizinhos. Todavia o que posso dizer é que este rio tinha uma enorme quantidade e variedade de peixes. É como dizia o ditado “coloque a gordura na panela que vou buscar o peixe”. Eram tantos e famintos que não havia erro: um simples minhoca ou qualquer coisa parecida e lá vinha ele fisgado. Outros como meu tio, preferia pegar no tiro: ficava no barranco, pedra ou galho do pau e escolhia no poço o peixe que queria. Era só um tiro, o peixe prancheava e era levado para casa. Naquele tempo não havia o espírito de destruição de hoje. Você pescava só o bastante para comer naquele dia pois não havia geladeiras e ninguém gostava de salgar e conservar a título de estoque. Às vezes se fazia, mas pela preferência de como iria ser consumido. Como ninguém matava mais do que precisava para o consumo mais imediato, nunca faltava peixe. De igual modo o povo não desmatava todas as margens dos rios e por isso não havia assoreamento e consequente sumiço da água. Meu Deus como esse rio faz falta. Hoje é um córrego e ainda vem bravamente se sustentando entre pequenos poços e o que é mais incrível, ainda se encontra peixes, mesmo com a constante pesca destrutiva : redes, arpão e no passado até bombas.
Mas voltemos a minha pequena pescaria: meu tio com sua velha espingarda de dois canos e eu com minha velha varinha de bambu e algumas minhocas arrancadas perto do chiqueiro. Meu tio me colocou logo em cima de uma grande pedra e disse: não saia daqui e quando pegar o peixe me chame.  Minutos depois escutei o tiro noutro poço lá na volta do rio e depois o silêncio. Daquele silêncio fui arrancado por um forte puxão na linha e no susto fisguei o peixe. A varinha começou a entortar e eu fu deslizando e disse comigo mesmo: você não vai embora peixe e não soltei a vara. Mas ele foi: levando eu e a vara até que eu tibummm... caí no poço e me debatendo para não afogar e a vara não soltava, até que... ufa, alguém me pegou pelo colarinho da camisa (era de algodão tecido no teal caipira meu – não rasgava e nem soltava a cor igual a propaganda da ...) Era meu Santo tio que dizia: fica duro caboclo! E lá fomos nós para a praia: eu, minha varinha, o peixe fisgado e meu tio puxando todo mundo. QUE FARRA MEU! QUE BAITA DE DOURADO! Não, não vou contar o tamanho senão vocês vão dizer que é mentira de pescador, igual a estória da onça que vou contar lá na frente, no ano de 2012.  Ah! Você pensa que fui orgulhoso contar toda a estória do peixe para minha mãe, né? É verdade, mas houve uma pequena mudança na narração: a parte que eu estava sozinho e cai da pedra ela nunca soube. Não é que eu gostava de mentir sabe? Acontece que eu gostava de pescar e se minha mãe soubesse disso, Adeus pescaria com meu tio, pois para ela, ele seria um “irresponsável, um..., um ....”

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pedro e sua história = 7º capítulo



Sétimo Capítulo

Dos filhos da tia Jovita

O Bruno (Nezico), rapaz forte, experto casou-se com moça rica, saiu de casa e hoje de volta a casa dos falecidos pais, só sei que anda meio doente e como sempre visito todo mundo para saber como está e dar meu apoio, espero em breve visita-lo.
O Carioca (Daril) nunca deixou aquelas terras. Ali construiu sua casa casou com uma pessoa muito gente boa (Salvina) e teve um punhado de filhos. Não vou arriscar a citar o nome de todos, mas sei que seis deles são jogadores de futebol, aliás, muito bons. Não poderia ser diferente, pois o pai Carioca foi um dos maiores centro avante do município.  Hoje deve estar aposentado e tranquilo como sempre foi vai levando a vida.  Uma das filhas é craque na contabilidade em Vazante – a dona Sibele. Aliás a única que já esteve em Brasília na minha humilde chácara junto com o maridão. Foram levados pelo Leonel, mas foram.

O Tião Procópio, casou-se com a filha do Hilário, lembram? Virou sócio catireiro com ele e depois também com seu cunhado o Ronan e depois que tudo isso passou, hoje mora em Vazante, está separado e ganha a vida sendo corretor.

A Rosa, uma linda loira, casou-se também com um cabra muito bom e do qual gosto muito, meu amigo magro como um palito, o Lico Machado. Tocam a fazenda deles, fazem queijos de qualidade e raramente quando vou a Vazante não vou visita-los. É só uma questão de afinidade e porque são pacientes com meus longos papos. Acho que de tanto eu insistir acabaram gostando de mim também. Mas a frente certamente contarei causos envolvendo eles e outros que lá frequentaram ou ainda frequentam.

A Ilda a mais nova e também uma linda garotinha que todos ficavam de olho, também se casou com um cabra bão e pouco os vejo atualmente.

O Alderico, dono da venda, também se casou e deixou a venda indo para a cidade onde aposentou-se trabalhando na prefeitura. Não relatei os irmãos em ordem de idade e deixei um dos mais velhos por último para contar a história seguinte.

Queimando a boca – que inocência (ou burrice? – veja lá o que pensa, eu era criança)!

Se lembram da história das bolachas e balas que eu as vezes descolava. Pois é era guiando os tais bois. Depois de horas guiando bois que puxavam um arado e depois que puxavam um engenho, tudo na mesma fazenda da tia Jovita, lá vou eu me deliciar com uma grande puxa de melado. Soprei muito e impaciente para dar uma bela mordida, acreditei que estava frio o bastante e então creu!  Meu Deus que vulcão estava por dentro e tudo grudou na boca. Somente uma solução: por sorte estava a poucos metros da aguada (local do rio onde se apanhava água) e eu tibumm... pulei dentro dágua com a boca aberta. A boca que se parecia com um vulcão esfriou e dor passou, mas a puxa endureceu e fiquei horas chupando o que ficou grudado nos dentes e curtindo a queimadura do céu da boca.  Os dentes... nunca mais prestaram!

Vai afogando trem

Talvez em torno de 50 metros ficava a grotinha de nosso ranchinho. Grotinha para nós é uma espécie de mini riacho que corre água no período de chuvas e seca quando elas se vão. Apesar da pequena mina lá no início, no pé da montanha, não conseguia manter a água mais distante, onde morávamos. Mas quando tinha água era uma maravilha, pois dela carregava água para beber, lavar vasilhas, roupas e enfim para tudo. Embora parecesse inocente, aquela grotinha se tornava perigosa nos tempos chuvosos, pois colhia todas as águas que vinham das serras e das enxurradas e seus profundos barrancos comportavam um enorme volume de água. A presença de muitas árvores nas suas margens resultavam em muitas raízes nos barrancos que até brotavam cobrindo as margens internas de verde. Aliás naquelas árvores imitávamos macacos pulando de galho em galho sobre a grota, sempre arriscando quebrar um pescoço, um braço, uma perna... mas o que é isso para aquelas crianças destemidas e encapetadas?

Pois desta vez eu não estava aprontando nada. Simples havia chovido um pouco e os degraus que permitiam acessar a água estavam molhados e escorregadios. O fator surpresa foi que choveu muito na cabeceira e quando ouvi aquele barulho característico de muita água chegando, avistei uma enorme cabeça dágua (é a chegada da enchente). Subi igual uma bala arrastando meu balde até o meio da escadaria quando a bichona passou levando paus e folhas a frente. A grota se encheu rapidamente até acima da metade do barranco e então cansado com a corrida, fui então descansar o balde um pouco e ele, escorando o fundo falsamente numa pedra virou. Fui tentar salvar a água e o balde e consegui, mas o pé escorregou e saí rolando até cair na grota. Menino, eu parecia uma pluma levado pela aquela força da água. Foi quando, numa fração de segundos pensei: agora fui! Vou morrer mesmo, adeus mamãe.  Aí veio de novo aquele anjo da guarda e me atirou no barranco e foi me esfolando e esfregando na margem para eu sentir e ver todas aquelas raízes! Eu agarrava uma arrebentava, agarrava outra e outra, até que segurei numa parruda mesmo e via minha bundinha planar sobre a água. Dalí peguei outra mais acima e outra e finalmente nas árvores já beirando a pequena ponte, por onde voltei pra casa. Esfolado e sem fôlego mas voltei. As pernas? Tremiam, tremiam e os dentes batiam uns nos outros, eu não sabia se pelo susto ou de frio.   Se eu contei prá minha mãe? Você é doido? E a surra que eu levaria por fazer aquela “arte”? Torci um pouco a roupa, entrei pra dentro de casa e aproveitando que ela estava firme na roda de desfiar algodão passei direto para o quarto e tratei de trocar de roupa e disfarçar os esfolões.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Pedro e sua história = 6º capítulo



6º Capítulo

 Varicela ou catapora? Meu segundo contato com a cidade, agora de fato

Certa vez, arrumei uma dessas pestes. Tive muita febre e bolhas enormes pelo corpo todo.  O meu mesmo cunhado padrinho morava numa pequena cidade chamada Lagamar. Não tinha médicos, mas já tinha farmacêutico. Uma carona com um vizinho fazendeiro, que havia acabado de comprar um jipe poderia ser minha chance de não morrer.  Sarampo? Este eu já havia sofrido e tirado de letra. Mas agora, parece que havia chegado minha vez mesmo. O jipe Sacolejava daqui e dali, mas finalmente chegamos à cidade onde o farmacêutico foi logo receitando os remédios adequados.    O resto foi ficar quieto. Maior parte do tempo no quintal deitado sobre folhas de bananeiras, por serem mais frescas e ao lado, um pé de limão com enormes espinhos. Eu arrancava o espinho e como se fosse agulha, passava o dia furando as bolhas.  Coçavam, coçavam e depois de furadas, ardiam, ardiam... era  “minha nada doce vida”.  Que cidade sem graça, que eu não podia ver! Só via o quintal.   Na verdade aquela pequena cidade era grande demais para mim, pois nunca tinha visto nenhuma!  O problema é que não deu para curtir logo de cara.
O vizinho fazendeiro era o gentil senhor Hilário, catireiro (comprava e vendia gado), casado com dona Lia, que pacientemente aplicava injeções na gente e dava biscoito para tirar a dor.

Quanta novidade

Depois, já melhor, apenas todo pintado, já admirava o movimento do povo, o comércio local como padaria, loja de tecidos, farmácia ... (afinal eu só conhecia a venda do primo Alderico, gente). Não sabem quem? Vou contar logo a seguir.

O fato importante é que ficou pra sempre na memória tais novidades e ainda o jipe que pela primeira vez eu vi e andei e o tal do pão de sal. Como era gostoso aquele pão que eu ia rasgando e comendo a seco. Era algo muito diferente do nosso pão de queijo! Indescritível! Bão demais!!!  Mas convenhamos de fato o pão de sal era muito diferente de hoje, pois tinham as características da rosca caipira, rasgam-se em fatias.

Diferente assim, só quando experimentei o Picolé. Meu Deus eu não conhecia nem gelo, quanto mais àquela coisa muito fria, doce e gostosa. E aquela dormência que provocava nos lábios! Hum!!! Deste também nunca mais senti o mesmo sabor. Contudo atribuo o sabor tão inédito ao fato de ser novidade e nem tanto a mudança de sabor como no pão.

PONTO DE ENCONTRO

As terras onde eu e dª Ana, minha valente mãe morávamos, pertenciam a uma fazenda da família pelo lado de pai, cuja tia Jovita casou-se com um sr. de nome Procópio, que adquiriu as partes de todos os herdeiros. A parte de minha mãe, salvo engano foi vendida em troca de uma banda de porco ou vaca, não me lembro, e qualquer engano aqui espero ser irrelevante. Acontece que terra, valia pouco, ou nada principalmente para quem tinha pouca visão, ou não conseguia beneficiar como meus tios e irmãos mais velhos.  Na sede da fazenda, havia uma venda de um dos filhos do dono – meu primo, o tal Alderico,  onde sem dúvida era o ponto de encontro dos jogadores de truco, de futebol, dos tontos dos curiosos, das moças e dos rapazes e enfim, era onde se via gente. No domingo, era o dia todo de movimento: truco e outras disputas pela manhã e a tarde futebol onde o nosso time local se chamava cruzeiro da Serra, ou Cruzeirinho mais tarde.  Como aquela venda cheirava bala e bolacha! Mas prá mim quase sempre ficava só no cheiro, pois dinheiro que era bom para comprar, necas!   Então, o que fazer?  Bem, no meu caso de vez em quando, durante o período de arações para plantio e moagem de cana para fazer rapadura, lá estava eu andando na frente dos bois e faturando ao final do dia um pacotinho de bolachas ou balas. Chique não? Alderico você me explorava!

Mas eu não posso deixar de citar o nome de todos os filhos, pois daqui a pouco voltarei a falar deles.  Mas primeiro quero dizer que o sr. Procópio, pai do Alderico era um pouco surdo e certamente por isso um pouco fanhoso e seu modo de falar eu ainda guardo como se fosse ontem na memória. Era um senhor divertido e não saia de uma mesa de truco nos domingos, principalmente. A tia Jovita, irmã de meu pai, sempre magrinha, falava rápido e sua franqueza não alisava ninguém.

Fui desenganado – que tragédia!

A Casa da tia Jovita, como já disse era o ponto de encontro para tudo. Sua casa vivia cheia de gente de tudo quanto é lugar e com certeza, a despeito de toda sua franqueza, certamente que perturbavam muito e eu por certo estava entre eles. Era uma casa não tão grande, mas havia uma cozinha com fogão de lenhas e sobre o fogão aproveitando o calor e fumaça aquelas cargas de rapadura para não amolecerem. Meus vermes falavam mais alto e sempre que possível estava por perto de uma rapadura cortada, para ver se ganhava um pedacinho.

Certo dia, não sei por que, eu estava na cozinha na casa da sua casa, quando surgiu o assunto do “perrenguinho” Pedro e na verdade não sei se por não me notarem ou porque isso não fazia diferença a certa altura  a tia desabafou: -“ah, não sei porque a Sinhana (apelido de minha mãe Ana) fica com tanto trabalho e cuidado com esse menino:  ele não vai crescer  mesmo! É cardíaco,  (sofre do coração) não vai prestar nunca!”

Cara, isso soou como uma bomba na minha cabeça de garoto! Me perguntava: mas por que não vou prestar? Por que eu vou morrer? O que vão fazer comigo? Eu sabia lá o que significava “cardíaco”! Escondi por detrás da parede da casa e chorei muito! O mundo acabava antes de começar! Por que minha mãe nunca falou que vou morrer? Eu não vou crescer e ficar grande e comprar um carro de boi? Eu prometia pra minha mãe que quando crescesse eu ia cuidar dela e não deixa-la trabalhar mais! Eu não vou poder  fazer isso?

Mas talvez naquele momento, naquele exato momento, o incrível anjo da guarda daquela criança se fez presente e foi lhe dando forças para parar de chorar e numa espécie de compensação, ou revolta não se sabe, fazia com que eu, entre lágrimas começasse a prometer para mim mesmo: não, não vou morrer vocês vão ver! Vou ficar sadio, vou crescer ... (promessa enganosa), ficar rico e comprar uma fazenda e um carro de bois... Vou, vou,... Muitas promessas!   Bem, eu escapei, virei homem, realizei muitas coisas que pareciam impossíveis. Dos 16 anos até quando minha mãe faleceu aos 75 anos, eu cuidei dela – talvez pudesse ter cuidado muito mais e lhe dado muito mais carinho que dei, mas nunca mais ela precisou viver na casa dos outros e ser maltratada pelos serviços duros que fazia. Mas confesso: nunca comprei o tal carro de boi e nem passei de 1,65 m. Que dó, poderia ser pelo menos 1,70m!!!!

Mas quero deixar claro que não acredito que minha tia tenha falado aquilo com a intenção de magoar (foi de matar mesmo – brincadeira) Ela era diferente, falava o que pensava e a franqueza às vezes pende para a ignorância. Eu sei que apesar de tudo ela não me odiava e isso ficou claro quando me casei em 1978.  Voltarei ao assunto oportunamente.