Capítulo 14
A ESCOLA – Grupo Escolar Marcolino de Barros
Boa escola, bons pátios para
brincar e boa sopa. Minhas professoras deviam ser realmente boas, pois até hoje
me recordo do nome completo delas: Vanilda
da Rocha Trajano e Maria José da Fonseca, desta, quando queríamos nos
vingar de algum castigo, gritavamos de longe: Maria José da Fonseca, uma perna
dura e outra seca. Que falta de apanhar!
A escola entrou em reformas e
nossa turma foi parar nas dependências de uma igreja, salvo engano, evangélica,
onde havia algumas salas. As professoras
mudaram e as matérias de história e geografia, por exemplo, era tudo na base da
anotação. Haja cadernos!
Reginaldo o valente
Havia dois colegas que marcaram
presença: O Gaspar, porque era amigo e a gente se dava muito bem; o outro,
Reginaldo era um garoto que vinha de uma ou duas repetições e além de maior e
mais forte, fazia questão de demonstrar isso, batendo na gente. Nas provas ele
queria cola e minha escolha era simples: arriscava ter a prova tomada pelo
professor se me visse dando cola ou levava uns tapas lá fora. Simples, só
escolher. Eu tanto tinha muito medo dos professores quanto do Reginaldo. Se o
professor descuidava eu dava cola pra ele e se não, era o jeito é esperar a
sessão de tapas. Que agonia, às vezes a professora entrava repentinamente e lá
estava eu correndo sobre as carteiras, fugindo do Reginaldo. Ele que andava
entre as carteiras, sentava-se bruscamente e ela nem notava. Tinha vontade de
contar: professora é o Reginaldo! Mas o fato é que ele iria negar, os colegas
não tinha coragem de desafiá-lo e eu preferia o castigo do que sua terrível
vingança. Resultado, a professora me colocava pra fora da sala, como castigo. Você já conhece a estória da corda que
arrebenta sempre no lado mais fraco, né?
Se fosse hoje falaria no bulling.
A bondosa diretora
Minha saída “estratégica” da sala
começou a ficar mais constante que eu queria.
O sol da manhã queimava a pele e as pernas doíam, ali, de pé, ao lado da
porta. Eu não podia me afastar pois estava de castigo e só ficava do lado de
fora para não desviar a atenção dos demais alunos. Certo dia passando por ali a diretora, se
interessou pelo caso: menino, não é a primeira vez que te vejo ai, o que ta
acontecendo? – nada diretora! Ah tem sim, vem comigo. Mas...
Não se preocupe, falarei com a professora depois – este sol vai te fazer
mal e, portanto você vai cumprir seu castigo na diretoria. Que fazer? “quem tem, tem medo “ e castigo
por castigo certamente não seria muito pior! Segui a diretora e lá, com muito
custo ela ganhou minha confiança e prometendo nada contar para o Reginaldo e
nem para a professora que iria castiga-lo me fritando do mesmo jeito, findei
contando para ela os motivos que me levavam aquela preferência de ficar fora da
sala. Ela então me disse que eu ficasse tranquilo, pois ela própria iria
investigar a situação e achar uma solução, sem que eu pagasse. Fiquei feliz e
muito confiante então, sentado por ali (pelo menos sentado).
Na diretoria havia uma vasta
biblioteca e tantos livros despertavam meu olhar pedinte. Acompanhando meu
olhar a diretora disse: - devolvendo para o lugar, pode pegar o livro que
quiser. Quem falou que ouvi o sinal do
fim das aulas? Estava ali, agarrado na leitura quando então fui aconselhado a
ir para casa. No dia seguinte, agüentei firme na sala, pois precisa me
recuperar. Mas no outro seguinte, não resisti a vontade de voltar a biblioteca.
Esperei então quando vinha a professora e virei para o Reginaldo e disse um
impropério qualquer. O garoto partiu pra
cima de mim igual um trator e eu, leve como pluma voava sobre as carteiras. - Pedro!
– já sei professora: de castigo lá fora! E sequer esperando a sentença, já fui
logo pra junto da parede do lado de fora.
Esperei um pouco: acho que alguns segundos e lá estava eu na porta da
direção com um olhar pidão e dizendo: o sol ta quente diretora. A diretora me olhou sobre os óculos, pensou
um pouco e disse: entre.
Acho que abusei um pouco, pois
foram tantas as vezes que compareci na direção, que a diretora resolveu apurar
o fato. A professora, vendida só soube
dizer que sempre me pegava correndo pela sala e por isso me colocava pra fora.
Perguntado sobre as notas, constatou-se que sempre estava em primeiro ou
segundo lugar. Informada, a professora ficou sabendo que na verdade o tempo
todo eu estudava na diretoria e por isso não perdia a média de notas. Então a própria professora também resolveu
acordar e chamar alguns colegas: O Gaspar não serviu, pois era meu amigo e a
Maria José, também não, pois se sentava a minha frente e acho que suspeitaram
que eu passava grande parte do tempo
segurando sua mão. Mas os outros
esclareceram os fatos: “o Reginaldo pegou o Pedro pra cristo, porque ele se
nega a lhe dar cola e então além de bater nele lá fora, passou a tentar faze-lo
na sala”. Isso no princípio, porque depois eu parecia estar gostando de ser
mandado pra fora. Entraram num acordo e
a professora resolveu a flagar o Reginaldo e dar um jeito na situação. A
diretora por sua vez disse: - olha, você não precisa mais sair da sala para ler
aqui. Vou te emprestar os livros que quiser, um de cada vez, se prometer se
comportar! – Sim diretora, obrigado diretora, o Reginaldo pode me bater que eu
não vou mais correr na sala.
O “Amigo” Reginaldo
Resolvi contar a estória para meu
chefe de turma! Pêra ai, eu não era bandido, era apenas o mensageiro da turma,
se lembram? Mas voltemos ao Reginaldo. O chefe mandou alguém me esperar na
saída da escola. Era um garoto forte e bão de briga. Coitado do Reginaldo! Foi
flagrado justamente quando começou a me dar uns tapinhas irritantes e
prometendo acabar comigo. O emissário da turma, que chegava de bicicleta se
aproximou e disse: você sempre bate nos menores? Bate num do seu tamanho! E ele
– eu bato mesmo e partiu pra cima do rapaz. Mas olhe o cara não teve dó: além
de murros, arrancou uma daquelas ripas de proteção de mudas na praça e lhe deu
tanta pancada que foi preciso eu pedir até pelo amor de Deus para que ele não
batesse mais. E eu tentava convencer: olha ele só um bobão filho de rico, mas
não é tão mau, eu não quero que machuque ele, vamos embora... por fim quis me
colocar sentado no cano da bicicleta e disse vamos embora. E eu dizia, não pode
deixar eu vou a pé.. e a bronca veio: cala boca garoto, o chefe me mandou te
proteger e escoltar e você sabe muito bem que ele vai estar esperando! Monta
logo!!! Obedeci né, aliás vou te dizer,
garoto pequeno, magro e sem pai só serve pra obedecer, você já notou? Todo
mundo manda em você!
Depois daquele dia, eu não sabia
quem queria ser mais político. Se eu ou o Reginaldo. Eu porque tinha receio
dele e ele com medo do grandão voltar por ele havia lhe prometido que se o
Reginaldo me tocasse novamente ele voltaria para “acabar com ele” Daí em
diante, mesmo quando sem intenção nenhuma ele olhava pra mim, eu logo ia
dizendo : meu amigo ta lá fora, viu? Mas
aquela situação estava cada vez mais difícil manter sob controle. Foi então que aproveitando uma boa ocasião de
prova, arrumei um jeito e deixei que ele colasse a vontade. Acho que ele nunca
tirou uma nota tão alta na vida. Foi tão alta que a professora suspeitou e
colocou-nos um em cada lado da sala. Mas
ele achou tão bom que disse: daqui pra frente, sou seu protetor e ninguém toca
nocê. Era tudo que eu queria ouvir. Então fiz-lhe uma oferta: olha, não posso
te dar mais cola, porque estamos sentando muito longe um do outro. Mas vou te ajudar com as matérias – vamos estudar
juntos pra prova, ta bem? O garoto não
tinha amigos, pois era filho de gente rica e aprendeu exigir em vez de
pedir. Ficou tão feliz que passou a me
convidar para ir a sua casa. Na primeira vez, ressabiado levei comigo o Gaspar.
Depois passei a ir com e sem ele e naquela casa não faltava bons lanches para o
professor mirim.
Moral e fim da estória: recebi
meu prêmio e melhor nota na Rádio Clube de Patos e o Reginaldo finalmente
desencalhou do segundo ano primário e o mais importante de tudo é que findei
arrumando um grande e fiel amigo. Parece
coisa do Van Dame, apanha, apanha e depois vence a luta!