segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Pedro e sua história -- Capítulo 15




 Capítulo 15

 Lagoa dos japoneses – hoje atual rodoviária em PATOS DE MINAS

Meu padrinho mais parecia cigano e mais uma vez se mudou, desta vez para um bairro chamado Lagoa dos Japoneses, colado a vila dos operários. É claro que havia uma grande lagoa e nela muitos paturis, patos, etc., além de peixinhos como carás, traíra, etc. Pois bem moleques tentam tudo: nadar, pescar, pegar filhotes das aves e tudo que direito.  Na rua, em direção a lagoa, havia um açougue e muitas vezes, numa cena muito desagradável ali mesmo se matava o animal.  Um tal de Milton, matador e animais e certamente açougueiro, quando sangrava um boi por exemplo, aparava as mãos cheias de sangue e bebia descrevendo se estava mais ou menos salgado ou coisa assim. Aquilo era horrível e me chocava muito.  Mas brincar de soltar ou rodopiar as piorras de madeira (a gente chamava de piões – o paulistinha, o carioquinha!), era bom demais, além de jogar bolinhas de gude e Bilboquê ( “é um brinquedo antigo que consiste em uma esfera de madeira (ou de forma semelhante), com um orifício central, e presa por uma corda numa espécie de suporte”.).

Salve latinha: Também era fascinante brincar de salve latinha. Quem fosse sorteado começava a pegar e colocar o preso com a mão no poste e o próximo na mão do primeiro e o outro na mão do seguinte, até pegar todos. Esse pegar não era físico: toda vez que o pegar localizava um dos meninos corria até a base e batendo a latinha 3 vezes dizia: fulano está preso; se o fulano corresse mais que ele até a latinha ele próprio se salvava. Caso contrário, toda vez que prendia alguém ficava de olho na latinha que obrigatoriamente ficava na base, geralmente debaixo de um poste de luz, pois a brincadeira era noturna para que se pudesse esconder. O bairro era muito sujo ainda de moitas, árvores nativas, entulhos e muita poeira. Às vezes faltava somente um garoto para ser preso e ele, se arrastando pelo chão, correndo ou voando (ôpa), saltava sobre a latinha e gritava: salve latinha! E todos os presos se debandavam! Coitado de quem não fosse esperto, pois ficava quase a noite toda correndo atrás do prejuízo. Sim, se todos fossem presos, o primeiro seria a próxima vítima. E chegar em casa sempre era outro grande problema devido a sujeira que a gente chegava.

Pobres trabalhadores – sobrou prá eles.

Uma das ruas que ali passavam, viam do centro e outro bairros e atravessava direto para a Vila Operária. Detardezinha, quase noite, se ouvia o ruído forte de dezenas de bicicletas e murmúrios de muitos operários que voltavam do trabalho em grupos. Parecia o estouro de uma boiada Pois a molecada teve logo a maquiavélica idéia de queimar peneus velhos para deles extrairem o arame, que era desenrolado e esticado de algum poste na margem da rua até algum toco do outro lado.  Já pode imaginar né? Distraídos, os pobres operários que vinham a frente, de repente se embaraçavam e iam ao chão. Daí por diante era o efeito dominó até cair todos.  Menino veio, era um poeirão que levantava! E nós, aqueles malditos pivetes através das frestas de um muro qualquer mijavam de rir. Mas baixinho até que se levantassem e fossem embora soltando palavrões de toda sorte. Sorrisse alto ou saísse  lá fora pra ver! Mas isso não tinha graça nenhuma pra eles, coitados! O que as vezes ficava engraçado era no dia seguinte: os moleques malfeitores ficavam na rua para ver os operários passarem. Quando chegavam naquele ponto, paravam desciam e empurravam as bicicletas  observando  se não havia arame liso. Olhavam para os garotos e perguntavam:  o que estão fazendo aí parados? – olhando vocês! – Por que? Porque ficamos sabendo que vocês todos pularam no chão ontem e aí viemos ver se vão pular de novo, vocês vão? Olha aqui moleques, se fizerem isso de novo pegamos vocês e cortamos ...  – Que isso moço, não fizemos nada!  - Sumam! Só se ouvia o tropel e risos.   Dias depois, noutro poste, lá estavam os pobres operários estendidos no chão e no outro dia, novamente empurrando as bicicletas. Que ódio que ficavam!!!   

Só para constar, quero lembrar que em todos esses acontecimentos em Patos de Minas, sempre juntos estavam o trio: José Bento e João Bento, meus sobrinhos e eu, Pedro Alves, que mais tarde recebi o apelido de Pedro Bento.  E dos coleguinhas que tínhamos nesta última morada, somente de um me lembro o apelido: Tatu. Nunca mais o vi, o que é uma pena.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pedro e sua história - capítulo 14



Capítulo 14

A ESCOLA – Grupo Escolar Marcolino de Barros

Boa escola, bons pátios para brincar e boa sopa. Minhas professoras deviam ser realmente boas, pois até hoje me recordo do nome completo delas: Vanilda da Rocha Trajano e Maria José da Fonseca, desta, quando queríamos nos vingar de algum castigo, gritavamos de longe: Maria José da Fonseca, uma perna dura e outra seca. Que falta de apanhar!

A escola entrou em reformas e nossa turma foi parar nas dependências de uma igreja, salvo engano, evangélica, onde havia algumas salas.  As professoras mudaram e as matérias de história e geografia, por exemplo, era tudo na base da anotação. Haja cadernos!

Reginaldo o valente

Havia dois colegas que marcaram presença: O Gaspar, porque era amigo e a gente se dava muito bem; o outro, Reginaldo era um garoto que vinha de uma ou duas repetições e além de maior e mais forte, fazia questão de demonstrar isso, batendo na gente. Nas provas ele queria cola e minha escolha era simples: arriscava ter a prova tomada pelo professor se me visse dando cola ou levava uns tapas lá fora. Simples, só escolher. Eu tanto tinha muito medo dos professores quanto do Reginaldo. Se o professor descuidava eu dava cola pra ele e se não, era o jeito é esperar a sessão de tapas. Que agonia, às vezes a professora entrava repentinamente e lá estava eu correndo sobre as carteiras, fugindo do Reginaldo. Ele que andava entre as carteiras, sentava-se bruscamente e ela nem notava. Tinha vontade de contar: professora é o Reginaldo! Mas o fato é que ele iria negar, os colegas não tinha coragem de desafiá-lo e eu preferia o castigo do que sua terrível vingança. Resultado, a professora me colocava pra fora da sala, como castigo.  Você já conhece a estória da corda que arrebenta sempre no lado mais fraco, né?  Se fosse hoje falaria no bulling.

A bondosa diretora

Minha saída “estratégica” da sala começou a ficar mais constante que eu queria.  O sol da manhã queimava a pele e as pernas doíam, ali, de pé, ao lado da porta. Eu não podia me afastar pois estava de castigo e só ficava do lado de fora para não desviar a atenção dos demais alunos.  Certo dia passando por ali a diretora, se interessou pelo caso: menino, não é a primeira vez que te vejo ai, o que ta acontecendo? – nada diretora! Ah tem sim, vem comigo.  Mas...  Não se preocupe, falarei com a professora depois – este sol vai te fazer mal e, portanto você vai cumprir seu castigo na diretoria.   Que fazer? “quem tem, tem medo “ e castigo por castigo certamente não seria muito pior! Segui a diretora e lá, com muito custo ela ganhou minha confiança e prometendo nada contar para o Reginaldo e nem para a professora que iria castiga-lo me fritando do mesmo jeito, findei contando para ela os motivos que me levavam aquela preferência de ficar fora da sala. Ela então me disse que eu ficasse tranquilo, pois ela própria iria investigar a situação e achar uma solução, sem que eu pagasse. Fiquei feliz e muito confiante então, sentado por ali (pelo menos sentado).

Na diretoria havia uma vasta biblioteca e tantos livros despertavam meu olhar pedinte. Acompanhando meu olhar a diretora disse: - devolvendo para o lugar, pode pegar o livro que quiser.  Quem falou que ouvi o sinal do fim das aulas? Estava ali, agarrado na leitura quando então fui aconselhado a ir para casa. No dia seguinte, agüentei firme na sala, pois precisa me recuperar. Mas no outro seguinte, não resisti a vontade de voltar a biblioteca. Esperei então quando vinha a professora e virei para o Reginaldo e disse um impropério qualquer.  O garoto partiu pra cima de mim igual um trator e eu, leve como pluma voava sobre as carteiras. - Pedro! – já sei professora: de castigo lá fora! E sequer esperando a sentença, já fui logo pra junto da parede do lado de fora.  Esperei um pouco: acho que alguns segundos e lá estava eu na porta da direção com um olhar pidão e dizendo: o sol ta quente diretora.  A diretora me olhou sobre os óculos, pensou um pouco e disse: entre.

Acho que abusei um pouco, pois foram tantas as vezes que compareci na direção, que a diretora resolveu apurar o fato.  A professora, vendida só soube dizer que sempre me pegava correndo pela sala e por isso me colocava pra fora. Perguntado sobre as notas, constatou-se que sempre estava em primeiro ou segundo lugar. Informada, a professora ficou sabendo que na verdade o tempo todo eu estudava na diretoria e por isso não perdia a média de notas.  Então a própria professora também resolveu acordar e chamar alguns colegas: O Gaspar não serviu, pois era meu amigo e a Maria José, também não, pois se sentava a minha frente e acho que suspeitaram que  eu passava grande parte do tempo segurando sua mão.  Mas os outros esclareceram os fatos: “o Reginaldo pegou o Pedro pra cristo, porque ele se nega a lhe dar cola e então além de bater nele lá fora, passou a tentar faze-lo na sala”. Isso no princípio, porque depois eu parecia estar gostando de ser mandado pra fora.   Entraram num acordo e a professora resolveu a flagar o Reginaldo e dar um jeito na situação. A diretora por sua vez disse: - olha, você não precisa mais sair da sala para ler aqui. Vou te emprestar os livros que quiser, um de cada vez, se prometer se comportar! – Sim diretora, obrigado diretora, o Reginaldo pode me bater que eu não vou mais correr na sala.

O “Amigo” Reginaldo

Resolvi contar a estória para meu chefe de turma! Pêra ai, eu não era bandido, era apenas o mensageiro da turma, se lembram? Mas voltemos ao Reginaldo. O chefe mandou alguém me esperar na saída da escola. Era um garoto forte e bão de briga. Coitado do Reginaldo! Foi flagrado justamente quando começou a me dar uns tapinhas irritantes e prometendo acabar comigo. O emissário da turma, que chegava de bicicleta se aproximou e disse: você sempre bate nos menores? Bate num do seu tamanho! E ele – eu bato mesmo e partiu pra cima do rapaz. Mas olhe o cara não teve dó: além de murros, arrancou uma daquelas ripas de proteção de mudas na praça e lhe deu tanta pancada que foi preciso eu pedir até pelo amor de Deus para que ele não batesse mais. E eu tentava convencer: olha ele só um bobão filho de rico, mas não é tão mau, eu não quero que machuque ele, vamos embora... por fim quis me colocar sentado no cano da bicicleta e disse vamos embora. E eu dizia, não pode deixar eu vou a pé.. e a bronca veio: cala boca garoto, o chefe me mandou te proteger e escoltar e você sabe muito bem que ele vai estar esperando! Monta logo!!!  Obedeci né, aliás vou te dizer, garoto pequeno, magro e sem pai só serve pra obedecer, você já notou? Todo mundo manda em você!

Depois daquele dia, eu não sabia quem queria ser mais político. Se eu ou o Reginaldo. Eu porque tinha receio dele e ele com medo do grandão voltar por ele havia lhe prometido que se o Reginaldo me tocasse novamente ele voltaria para “acabar com ele” Daí em diante, mesmo quando sem intenção nenhuma ele olhava pra mim, eu logo ia dizendo :  meu amigo ta lá fora, viu? Mas aquela situação estava cada vez mais difícil manter sob controle.  Foi então que aproveitando uma boa ocasião de prova, arrumei um jeito e deixei que ele colasse a vontade. Acho que ele nunca tirou uma nota tão alta na vida. Foi tão alta que a professora suspeitou e colocou-nos um em cada lado da sala.  Mas ele achou tão bom que disse: daqui pra frente, sou seu protetor e ninguém toca nocê. Era tudo que eu queria ouvir. Então fiz-lhe uma oferta: olha, não posso te dar mais cola, porque estamos sentando muito longe um do outro.  Mas vou te ajudar com as matérias – vamos estudar juntos pra prova, ta bem?  O garoto não tinha amigos, pois era filho de gente rica e aprendeu exigir em vez de pedir.   Ficou tão feliz que passou a me convidar para ir a sua casa. Na primeira vez, ressabiado levei comigo o Gaspar. Depois passei a ir com e sem ele e naquela casa não faltava bons lanches para o professor mirim.

Moral e fim da estória: recebi meu prêmio e melhor nota na Rádio Clube de Patos e o Reginaldo finalmente desencalhou do segundo ano primário e o mais importante de tudo é que findei arrumando um grande e fiel amigo.  Parece coisa do Van Dame, apanha, apanha e depois vence a luta!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Pedro e sua história capítulo 13



Capítulo 13

Pensão São Pedro

1-      Brincadeira sem graça  -  Uma vez negociante, sempre negociante. Antônio Bento vendeu a pensão e comprou outra na rua detrás do antigo ferro velho, numa esquina da rua Agenor Maciel com a rua que descia para o tal Córrego do Monjolo. Na rua do Monjolo havia um hotel que se chamava Jóia Hotel, do sr. João das jóias. Além de pensão, agora tinha também uma venda. Nesta venda deu tanto rato, que comeram todos os estopins dos foguetes. Fogueiras de São João, os três ( Pedro, José e João) começaram a desmontar os foguetes, afim de aproveitar as bombinhas, jogando-as diretamente na fogueira. Algumas findaram caindo fora e não estouraram. Começaram a pega-las e atira-las novamente no fogo. Uma delas , no exato momento em que a peguei, havia queimado o cordão que amarrava o papel da pólvora e esta, incendiando-se, espalhou toda na palma da mão e dedos. Foi uma grande noite acordado tentando fazer parar a dor.

2-      Moleque mau - Mas enquanto ali residente, muitas coisas aconteceram. Primeiro, queimei a mão com a brincadeira das bombinhas de foguete.  Noutro dia fui pela primeira vez visitar um pequeno parque infantil que ficava numa praça (praça dos boiadeiros) logo adiante na mesma rua (Agenor Maciel). Beleza, escorregadores, areia, que monte de brinquedos! Subi logo na escada do escorregador e lá de cima me soltou.  Já chegando ao solo, um garoto me esperava para dar-me boas vindas, com um punhadão de areia nos olhos. OH dó! Ainda bem que chorei muito e a areia ia saindo junto com as lágrimas. O moleque ruím? Nunca soube quem era.

3-      Pequeno acidente de caminhão - Noutro dia acompanhamos (eu e João Bento) o padrinho e seu motorista Jadir numa pequena viagem a Vazante. Fomos quatro na cabine do caminhão Chevrolet. Não me lembro bem o que ele levou de carga, mas me lembro que na volta veio cheio de sacas de milho e sobre a lona, para não perder a viagem duas gaiolas cheias de frangos caipira. Aquela e outras cargas ele normalmente levava para Patos de Minas ou para Curvelo e Gouvêia, de onde trazia cachaça. A viagem de volta estava boa, até que na estrada, se compadecendo de uma senhora, nos colocou sobre a carga e mais na frente deixou que um senhor fizesse o mesmo. Ele não sabia dizer não. Acontece que já na entrada de Patos de Minas (a antiga chegada de Vazante – hoje é mais ou menos acima do bairro Caiçara) o caminhão resolveu perder os freios. Como o motorista percebeu isso logo no início da descida, acertadamente decidiu encostar o caminhão no barranco até fazê-lo parar, pois do contrário seria uma catástrofe quando adentrasse de vez na cidade.  
            Durante toda a viagem, embora criança, sempre vinha alertando ao senhor que nos acompanhava sobre a carga que ele deveria segurar-se nas cordas. Mas ele dando pouca atenção as recomendações de uma criança, dizia que eu não me preocupasse. Pois bem, quando vi que o caminhão em vez de diminuir parecia correr mais, percebi logo o perigo e gritei: Joãozinho, segura na corda porque a gente vai bater.  Mas não o fez a tempo ou não conseguiu se segurar e na primeira encostada do caminhão caíram os dois justamente para o lado da rua. O Joãozinho arrebentou a rótula ficando o joelho exposto, arranhou-se todo e salvo engano ainda quebrou um braço. O senhor caroneiro, quebrou costelas e se machucou bastante, ficando muito tempo no hospital as custas de meu padrinho. Eu, contrariando a sorte até então, nada sofri. Acontece que somente me desgrudei das cordas quando o caminhão parou e meio desorientado pulei pelo lado do barranco, caindo dentro de uma enorme moita de capim. Enquanto socorriam os feridos meu padrinho que não me via e outros começaram a me gritar e procurar por onde passou o caminhão pensando no pior, até que eu consegui me desvencilhar dos ramos e aparecer respondendo tô aqui, tô aqui. Na cabine ninguém se machucou e enquanto o Nadir me levou para casa, meu padrinho foi com o Joãozinho e caroneiro para o hospital.  Acreditem, o susto foi bem grande para mim e para o Joãozinho custou um bom tempo para aquele joelho fechar tudo. A cicatriz foi para sempre.

4-      O que não presta todo menino aprende – Nossa rua tinha um longo muro e um longo passeio. Ao final da rua, quase chegando no cruzamento com a rua Major Gote (era rua, salvo engano, embora a mais importante da cidade) existe até hoje um cinema.  Por esta rua e os ditos passeios passava-se muita gente, especialmente casais de namorados, sempre muito elegantes. É, os rapazes inclusive usavam ternos, relógio no braço e brilhantina na cabeça. As moças se vestiam ricamente de saias e vestidos sempre novos – não havia a moda de jeans e nem shortes, tudo era muito chique.  E os garotos, muito santinhos, estavam ali para bagunçar a vida dos outros. Você acredita, que eles pegavam uma latinha de extrato – daquela pequena, enchiam com qualquer coisa, inclusive urina e merda e após amarrar uma linha bem forte (de soltar papagaio preferencialmente preta) no seu meio e depositar sobre o muro, esticava a linha até a beirada do meio fio e ali fixava com um pedaço de tijolo.  O casal, coitados, além de andar cochichando as suas declarações amorosas não percebiam a linha e de repente, coc. Ao tocar a linha a lata despencava sobre eles e a “merda” tava pronta. Chingavam, se lamentavam e de longe os capetinhas estavam a curtir o momento. O jeito era voltar pra casa para se trocarem.  Olha, com o tempo, raramente alguém andava naquele passeio a noite.  Quando era apenas água eu até achava engraçado, mas do resto eu ficava muito contrariado com a turminha.

5-      Duzentos cruzeiros – pois é, apesar de assistir a turminha de vez em quando, como disse, tínhamos a venda para cuidar durante o dia e nos fins de semana, meu padrinho costumava arrumar uma atividade extra: vender frangos e leitoas no mercado municipal. Como se trava de animais vivos, a gente se postava na orla externa do mercado e ali gritava oferecendo os animais. Certa vez estando de pé e bem cansado comecei a olhar o chão ao redor e advinhe o que vi? Uma trouxinha formada por uma nota azul por dentro e laranjada (?) por dentro. Disfarcei e coloquei o pé sobre a mesma e minuto depois novamente disfarçando me abaixei, peguei a nota e coloquei no bolso, certo de que ali estava garantido o meu picolé. Achei que podia ser uma nota de dois cruzeiros. Mas me agucei e pensei: e se for de vinte? Coloquei a mão no bolso e disfarçado fui tentando abrí-la com uma só mão e vendo que já havia desembrulhado um canto, olhei rádido: Meu Deus é vinte cruzeiros, estou feito: picolés, pão com café (comprava o pão, furava e enchia de café!) e as matinês do cinema no domingo... ai que aflição, vou no banheiro para ver direito. Padrinho, tô apertado, posso ir ao banheiro? Vá rápido disse ele. Virei um anil no mundo e lá no banheiro, de porta fechada, tremendo, tirei a nota do bolso e abri toda... que é isso meu Deus? Duzentos reais, eu tô rico. Voltei para a venda das leitoas e frangos que nunca se acabavam. Eu precisava contar para minha mãe e mandar ela guardar meu dinheiro.   Em casa, finalmente em casa eu chamei minha mãe até o quarto: mãe vem cá. - Pra quê menino? – mãe vem cá!!! Finalmente ela foi e ali relatei tudo. Pedro conte essa estória direito! Mãe eu não minto prá senhora e só não contei pro padrinho porque ele não iria deixar eu ficar com o dinheiro! A senhora sabe né mãe que ele não me dá dinheiro para ir ao matinê e a senhora não tá tendo! Agora, a senhora troca o dinheiro e todo domingo a senhora me dá o valor da entrada. Se a senhora quiser pode ficar com a metade!  Naquele tempo o sonho de todo garoto era colecionar revistas e assistir os seriados de seus heróis: Roy Roggers, Tarzan, Batman e Robin, Zorro e Tonto, Lessie e tantos outros. A gente ia para a matinê com os braços repletos de revistas para trocar uma por outra, duas por uma ou inverso e enfim, dependia da raridade da coleção.  Bom levei bons meses para acabar com o rico dinheirinho.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Pedro e sua história capítulo 12



As Turmas – violência pura

Hoje fico pensando como já naquele tempo, tinha muita gente ensaiando para marginais organizados do futuro. Acontece que Patos de Minas era uma cidade de gente muita “braba”  e morria gente matada quase todo dia. Não precisava muito para alguém levar um tiro e os filhos, acabavam tendo sua forma de desabafo também.  Eram verdadeiras organizações, que nunca soube como surgiram, mas fiquei logo sabendo como funcionavam :

O Centro tinha uma turma e um chefe, geralmente o mais forte e mais perigoso! Era cheio de moral e contava com verdadeiros soldados a sua volta.  Cada bairro tinha também sua turma e um chefe. Vez ou outra marcavam dia e local para tirarem as diferenças.  Ao definirem dia e local, definiam também se a briga iria acontecer somente com as mãos ou se poderia ser empregado o cabo de aço, o soco inglês, o estilingue, etc, etc. Maior parte  era só na mão, pois tanto o cabo de aço (fino) quanto o soco inglês, causava enormes estragos e os pais acabavam se envolvendo.  As turmas tinham fronteiras e atravessa-las carecia de uma  autorização expressa, assinada pelo chefe, justificando a necessidade do deslocamento. A autorização era do próprio chefe daquele que ira atravessar a fronteira. Ele gozava do principio da verdade e assim sua autorização tinha que ser respeitada não só para os da mesma turma mas da turma do bairro para onde se deslocasse.

 Assim, se um garoto do centro precisasse ir na Avenida Brasil, Bairro de Fátima, Capuchinhos,  etc –  e estivesse conduzindo a autorização por escrito, dizendo a hora estimada da volta,  ninguém daquele bairro poderia tocar nele. Na verdade ai daquele que pegasse o visitante e batesse, se ele fosse detentor de uma autorização para tanto! O próprio chefe dele, para não perder o respeito, enchia o comandado de porradas. Se isso não acontecesse, além do chefe daquele bairro ficar desmoralizado perante todos os outros chefes, era convidado para a tal briga, assistida por representantes de outras turmas. 

Tão logo cheguei, pelo grande destaque físico – parecia uma lombriga, fui logo escalado como mensageiro. Era o garoto dos recados e comunicações entre a gang do centro e os demais bairros.  Imagine ter que obedecer a mãe e os padrinhos e ainda ter tempo para obedecer os chefes de turmas! Os meus me lembro bem dos nomes estranhos: “ Faquir, outro,  Xirim...   Mas, em casa eu também era o tal que ia comprar isso, vai buscar aquilo e assim ia tentando levar as ordens de todos. Era melhor prá mim, acreditem.

Numa das vezes, por exemplo, eu precisava tomar injeções no bairro da Igrejinha, na farmácia de um amigo da família, mas não podia relatar a situação para minha mãe; Como mensageiro eu tinha um trânsito mais ou menos livre, até porque era muito pequeno. Mas não quis me arriscar e pedi logo o papelzinho para meu chefe, peguei a bicicleta e lá ia eu todo dia tomar a bendita agulhada. Depois de alguns dias mal cheguei no   bairro   fui abordado por dois amiguinhos maiores que eu,  que começaram a me dar aqueles tapinhas irritantes, me convidando para brigar. Cadê a autorização baixinho? –Eu sempre repetia:    já disse que foi entregue dizendo o tanto de vezes que eu viria, ou seja até acabar as injeções! Mas não queriam saber e eu já via a coisa preta! Reagir, nem pensar, os guris eram maiores e mais fortes e eu ... estaria lascado!  Foi então que do nada apareceu uma estrela que brilhou na minha vida: o próprio chefe deles, que por absoluta coincidência fazia o mesmo percurso. Menino, ali eu vi que a coisa funcionava! O chefe, depois de deixar as orelhas dos guris vermelhas de tanto tapa, me pediu desculpas e ainda me mandou  dizer para meu chefe que aquilo não voltaria acontecer. Olha, para mim uma criança que não tinha a menor condição de fazer avaliação de valores, significou um banho de moral, de credibilidade, de honra... Naquele bairro, nunca mais ninguém ousou mexer comigo! Aliás em bairro nenhum pois eu era cauteloso, para não dizer medroso.

O Zé da Sorte – Juiz de paz

Essas turmas eram engraçadas: às vezes lutavam entre si e era pauleira mesmo. Mas às vezes se uniam em torno de um objetivo, nem sempre os melhores, mas se tornavam muito eficientes  e perigosos embora nunca soubesse ter ocorrido alguma morte.

Zé da Sorte, era o nome de um  conhecido juiz de paz da cidade. Não sei exatamente como, mas era também uma espécie de Juiz de menores também.

Naquela época estava em moda os lança perfumes, o sangue de capeta (tinta vermelha que manchava qualquer roupa para sempre. Nas lojas vendiam bananas, sapos e diversos modelos de recipientes plásticas que eram enchidos com tinturas, coisas mal cheirosas que pressionados, lançavam o conteúdo e causavam estragos. Certa vez chegou um primo caipira lá em casa e mal saiu do quarto com aquela camisa branquinha, de mangas compridas, encontrou o João Bento lhe esperando com a maldita banana cheia de tinta. Coitado!  Coitado do João também que levou uma surra da madrinha.

Acontece que justamente nas ocasiões de Carnaval, estes brinquedos sofriam grande perseguição do Zé da Sorte, que mandava simplesmente toma-las e corta-las ali mesmo na rua.  Adeus brinquedinho! Adeus dinheirinho!

A garotada se revoltou. Os chefes que medo não conheciam se reuniram e combinaram a ação conjunta na principal rua da cidade -  Rua Major Gote! Tudo combinado, o Juiz estaria no cruzamento da Major Gote com a Olegário Maciel.  Compraram muitas bananas e outros modelos.  Conseguiram arrumar muita água de bateria. De repente, todos avançaram em cima do homem e tome água de bateria, sangue de capeta, mijo e tudo que a “santa” criatividade conseguiu.  Foi uma coisa horrível e o homem teve de ser socorrido pelos PMs que ali mesmo, com a ajuda de um lençol ou cobertor, tirou toda a roupa do pobre juiz, para protege-lo daqueles produtos. A roupa dele ficou ali no chão, ninguém quis pegar. E com certeza sua pele muito branca ardia muito.