quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pedro e sua história - 9º capítulo



Nono capítulo

Pinguelinha, pinguelinha, você gosta de balançar sozinha

Na divisa de terras com o sr. Pedro Miguel, havia uma grande novidade: uma pinguela (ponte móvel) feita com cabos de aço e tábuas no fundo. No início eram tábuas firmes, mas aqueles cabos de aço, tão compridos, balançavam de um lado para outro e pra cima e pra baixo e a gente tinha que ficar “nego têia” para não se soltar dela. A altura era enorme. Com o tempo aquelas tábuas foram se soltando, outras apodrecendo e atravessar por ela era uma aventura. Fato interessante é que já nego se agarrando de um lado, de outro, deitado no fundo para ver se ela parava de balançar! Era muito divertido ver as pessoas atravessando e principalmente ficar do outro lado esperando. Salvo aqueles “macacos velhos” cada um que chegava do outro lado, tinha a cara vermelha, outros branca e muitos, a veia do pescoço parecia querer explodir. Era uma aventura. Agora, é fato que nunca tive notícias de alguém ter caído. Nem os tontos que ficavam bonzinhos de repente. Mas como já disse, apesar da água lá embaixo, a altura era grande e o caboclo se atracava naqueles cabos que nada o fazia se soltar!  Tenho notícias de que ela foi arrancada e no seu lugar foi construída uma ponte. Eu sei que tenho uma foto, mas no momento não consegui encontra-la. Quem sabe malis a frente.

A Bocaina

Nas terras do tio Procópio existe um local chamado Bocaina É um pequeno vale: de um lado as montanhas. De outro uma grota  que nascia nos fundos da montanha e que corria água grande parte do tempo e passava lá embaixo perto de nossa casa e na frente outra grota que nascia de outra parte da direita da montanha. Dentro desta ilha veio morar a tia Antônia mais no fundo e na frente o famoso Sebastião, casado com sua filha mais velha. Para não perder o costume de minhas irmãs e primas, o Sebastião tinha o apelido de Tião Preto – adivinhe por que.  Teve muitos filhos e todos, gente muito boa que foram ganhando chão e findaram se ajeitando em Uberlândia MG, estando todos bem Graças a Deus. Eu não me lembro bem do detalhe mas há quem diga que trabalho dava certa alergia no Tião Preto. Não tinha idade para prestar atenção nisso e por isso não sei. Mas, sei que era amigo de todos e de muito bom papo.  E também tenho notícias e até pude ver uma qualidade inigualável que ele tinha: o melhor pai do mundo, um herói para os filhos e ai de quem contrariasse, e a Maria, sua esposa, trabalhadora que nem ela só, tinha que conviver com esta realidade: as vezes ruins para ela e ótima por causa  do modo de tratar os filhos.

Certa vez o Tião Preto, pegou um filhote de macaco e o criava em casa: ora solto, ora preso por uma corda dando-lhe espaços para brincar sobre um pau preso no alto. Macaco safado e tarado: se chegava homem ele não queria papo e as vezes tentava morder e se era mulheres o tarado arrancava da ferramenta e se danava de fazer gracinhas  e simular o sexo.

Pedido de adoção

Um pequeno fazendeiro – sr. Otávio Baixote, na região da Guariroba, vizinho do sr. Nelson Folha, Nadir, no caminho para o Cantionil (onde quase fui queimado e suicidado por bezerros), que além dos afazeres comuns, possuía uma plantação de café – acho que era o único com objetivo de produção mesmo.  Esse grande homem por seu muito trabalhador e pobre homem por ser acometido as vezes de forte depressão, sofria muito e pouca gente ou talvez na verdade quase ninguém, sabia o que era isso e por isso dizia uns que ele ficava doido, outros que sofria de luas e outras classificações, não por maldade mas por desconhecimento.  O caso dele era tão sério que grande parte do ano, ele se isolava na sala e ali recebia sua comida e os recados, mas não queria papo com a família, parecendo odiar a esposa e filhos que julgava culpados de alguma coisa ou não lhe entendiam.

Eu quero abrir um parêntese para falar sobre sua doença que também na época não podia compreender, assim como todos, mas que hoje depois de longa experiência em casa, mesmo não sendo um psicólogo ou psiquiatra, aprendi muito na prática e nas tentativas de pesquisas literárias para entender e tentar ajudar. Por essas razões é que somente hoje posso compreender os problemas do sr. Otávio e porque  ninguém podia ajuda-lo na época.  Talvez não fosse tão comum ou talvez até fosse e era mal diagnosticada. Mas hoje parece ser uma das doenças do século e a cada dia parece piorar. Eu poderia escrever um ou dois capítulos agora narrando experiências do ramo, mas ficará talvez para o momento oportuno. Hoje quero apenas introduzir um pouco do assunto para falar do sr. Otávio.

Abreviando dizem os especialistas que “os sintomas comuns a sensação de desamparo, falta de energia, tristeza persistente, preocupação excessiva, baixa auto-estima, perda do interesse em atividades que se interessava anteriormente, irritação, dúvidas excessivas e esquecimentos frequentes. Ainda pode haver aumento ou diminuição do apetite, com alterações de peso, aumento ou perda de sono, perda da capacidade de sentir prazer. Se alguns desses sintomas persistirem por semanas ou meses é provável que a pessoa esteja sofrendo de depressão.” Acrescento que uma pessoa deprimida tem forte tendência de culpar e agredir as pessoas mais próximas: esposa, pais, filhos e até irmãos. E que nas pessoas de fora, às vezes, são vistas pequenos momentos de alegria e esperança nos sucessos pessoais e profissionais. Por isso, uma pena que a família do sr. Otávio talvez nunca tenha sido convenientemente instruída do assunto para compreenderem a ele e a si próprios, pois ninguém era culpado ou incapaz.

Minha mãe era sua comadre, já que ele era padrinho de minha irmã Divina, salvo engano. Era uma comadre de confiança tanto dele quanto da esposa, a bondosa Dona Rosa. E talvez por isso, além das muitas atividades que minha mãe era chamada como em todas as fazendas, lá estava ela para colher, abanar e secar o café, ainda que com outros contratados. A diferença é que durante a semana minha mãe, e eu, claro, ficávamos hospedados na casa da fazenda. Por causa de sua impaciência ou intolerância com a mulher e filhos, grande parte das vezes eu era seu pequeno candieiro (quem guia os bois), quem ficava muito tempo a seu lado e lhe trazia a comida que dona Rosa lhe preparava. Ao mesmo tempo em que era divertido, era trágico: acontece que no início eu era muito pequeno e na minha frente vez ou outra aparecia um cupinzeiro (morada de cupins) para eu me estatelar sobre ele. Sorte grande é que a junta de bois dianteiros, grandes, experientes e muito mansos, seguravam os demais para não me atropelarem. Noutros momentos por ficar de novo olhando muito para trás, acaba montando em moitas de espinhos de onde os pés descalços saiam muito furados e os braços e pernas bem arranhados. Acontece que o entusiasmo de ser útil, guiar os bois do carro que transportava o café era maior que qualquer dor ou cansaço.

E acho que foi por aí: um menino esforçado, sempre pronto pra tudo, obediente e sem pai, com aquela peleja de ir e vir com a mãe para todo cante é que lhe tocou muito e as vezes insistia com minha mãe: Comadre Sinhana, me dê este menino prá eu criar! Ele vai fazer companhia pros meus mais novos e a senhora vai trabalhar descansada. Mas dona Sinhana não dava moleza e respondia: não compadre, eu agradeço e sei que o sr. Tratará bem meu filho, mas ele estará sempre entre estranhos. Seu lugar é comigo, ruim ou bom, nós vamos sobreviver juntos. É o único que mora comigo, preciso da sua companhia e ele dos meus cuidados e terminava: aliás compadre, este menino é quem ainda cuidar de mim, o senhor vai ver!

Você deve estar se perguntando se me lembro bem de todas estas palavras ditas naquela época? Na verdade não, é claro. Me lembro bem do principal. Ocorre que em mais de uma oportunidade anos depois, tanto minha mãe como outras pessoas repetiram isso prá mim e como o fato me dá um orgulho danado tanto do sr. Otávio se interessar por mim, quando outros queriam me ver longe, quanto e principalmente pela obstinação e confiança de minha mãe. E conforme já disse e mais a frente haverá detalhes eu e minha mãe cuidamos um do outro.

Até aqui não relatei datas, porque ficou difícil me lembrar bem. Mas os fatos narrados ocorreram entre 1952, ano em que nasci e 1961, quando completei 9 anos. No próximo capítulo muda muito pois existe alguma orientação de datas aproximadas.

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