segunda-feira, 10 de junho de 2013

Pedro e sua história = 6º capítulo



6º Capítulo

 Varicela ou catapora? Meu segundo contato com a cidade, agora de fato

Certa vez, arrumei uma dessas pestes. Tive muita febre e bolhas enormes pelo corpo todo.  O meu mesmo cunhado padrinho morava numa pequena cidade chamada Lagamar. Não tinha médicos, mas já tinha farmacêutico. Uma carona com um vizinho fazendeiro, que havia acabado de comprar um jipe poderia ser minha chance de não morrer.  Sarampo? Este eu já havia sofrido e tirado de letra. Mas agora, parece que havia chegado minha vez mesmo. O jipe Sacolejava daqui e dali, mas finalmente chegamos à cidade onde o farmacêutico foi logo receitando os remédios adequados.    O resto foi ficar quieto. Maior parte do tempo no quintal deitado sobre folhas de bananeiras, por serem mais frescas e ao lado, um pé de limão com enormes espinhos. Eu arrancava o espinho e como se fosse agulha, passava o dia furando as bolhas.  Coçavam, coçavam e depois de furadas, ardiam, ardiam... era  “minha nada doce vida”.  Que cidade sem graça, que eu não podia ver! Só via o quintal.   Na verdade aquela pequena cidade era grande demais para mim, pois nunca tinha visto nenhuma!  O problema é que não deu para curtir logo de cara.
O vizinho fazendeiro era o gentil senhor Hilário, catireiro (comprava e vendia gado), casado com dona Lia, que pacientemente aplicava injeções na gente e dava biscoito para tirar a dor.

Quanta novidade

Depois, já melhor, apenas todo pintado, já admirava o movimento do povo, o comércio local como padaria, loja de tecidos, farmácia ... (afinal eu só conhecia a venda do primo Alderico, gente). Não sabem quem? Vou contar logo a seguir.

O fato importante é que ficou pra sempre na memória tais novidades e ainda o jipe que pela primeira vez eu vi e andei e o tal do pão de sal. Como era gostoso aquele pão que eu ia rasgando e comendo a seco. Era algo muito diferente do nosso pão de queijo! Indescritível! Bão demais!!!  Mas convenhamos de fato o pão de sal era muito diferente de hoje, pois tinham as características da rosca caipira, rasgam-se em fatias.

Diferente assim, só quando experimentei o Picolé. Meu Deus eu não conhecia nem gelo, quanto mais àquela coisa muito fria, doce e gostosa. E aquela dormência que provocava nos lábios! Hum!!! Deste também nunca mais senti o mesmo sabor. Contudo atribuo o sabor tão inédito ao fato de ser novidade e nem tanto a mudança de sabor como no pão.

PONTO DE ENCONTRO

As terras onde eu e dª Ana, minha valente mãe morávamos, pertenciam a uma fazenda da família pelo lado de pai, cuja tia Jovita casou-se com um sr. de nome Procópio, que adquiriu as partes de todos os herdeiros. A parte de minha mãe, salvo engano foi vendida em troca de uma banda de porco ou vaca, não me lembro, e qualquer engano aqui espero ser irrelevante. Acontece que terra, valia pouco, ou nada principalmente para quem tinha pouca visão, ou não conseguia beneficiar como meus tios e irmãos mais velhos.  Na sede da fazenda, havia uma venda de um dos filhos do dono – meu primo, o tal Alderico,  onde sem dúvida era o ponto de encontro dos jogadores de truco, de futebol, dos tontos dos curiosos, das moças e dos rapazes e enfim, era onde se via gente. No domingo, era o dia todo de movimento: truco e outras disputas pela manhã e a tarde futebol onde o nosso time local se chamava cruzeiro da Serra, ou Cruzeirinho mais tarde.  Como aquela venda cheirava bala e bolacha! Mas prá mim quase sempre ficava só no cheiro, pois dinheiro que era bom para comprar, necas!   Então, o que fazer?  Bem, no meu caso de vez em quando, durante o período de arações para plantio e moagem de cana para fazer rapadura, lá estava eu andando na frente dos bois e faturando ao final do dia um pacotinho de bolachas ou balas. Chique não? Alderico você me explorava!

Mas eu não posso deixar de citar o nome de todos os filhos, pois daqui a pouco voltarei a falar deles.  Mas primeiro quero dizer que o sr. Procópio, pai do Alderico era um pouco surdo e certamente por isso um pouco fanhoso e seu modo de falar eu ainda guardo como se fosse ontem na memória. Era um senhor divertido e não saia de uma mesa de truco nos domingos, principalmente. A tia Jovita, irmã de meu pai, sempre magrinha, falava rápido e sua franqueza não alisava ninguém.

Fui desenganado – que tragédia!

A Casa da tia Jovita, como já disse era o ponto de encontro para tudo. Sua casa vivia cheia de gente de tudo quanto é lugar e com certeza, a despeito de toda sua franqueza, certamente que perturbavam muito e eu por certo estava entre eles. Era uma casa não tão grande, mas havia uma cozinha com fogão de lenhas e sobre o fogão aproveitando o calor e fumaça aquelas cargas de rapadura para não amolecerem. Meus vermes falavam mais alto e sempre que possível estava por perto de uma rapadura cortada, para ver se ganhava um pedacinho.

Certo dia, não sei por que, eu estava na cozinha na casa da sua casa, quando surgiu o assunto do “perrenguinho” Pedro e na verdade não sei se por não me notarem ou porque isso não fazia diferença a certa altura  a tia desabafou: -“ah, não sei porque a Sinhana (apelido de minha mãe Ana) fica com tanto trabalho e cuidado com esse menino:  ele não vai crescer  mesmo! É cardíaco,  (sofre do coração) não vai prestar nunca!”

Cara, isso soou como uma bomba na minha cabeça de garoto! Me perguntava: mas por que não vou prestar? Por que eu vou morrer? O que vão fazer comigo? Eu sabia lá o que significava “cardíaco”! Escondi por detrás da parede da casa e chorei muito! O mundo acabava antes de começar! Por que minha mãe nunca falou que vou morrer? Eu não vou crescer e ficar grande e comprar um carro de boi? Eu prometia pra minha mãe que quando crescesse eu ia cuidar dela e não deixa-la trabalhar mais! Eu não vou poder  fazer isso?

Mas talvez naquele momento, naquele exato momento, o incrível anjo da guarda daquela criança se fez presente e foi lhe dando forças para parar de chorar e numa espécie de compensação, ou revolta não se sabe, fazia com que eu, entre lágrimas começasse a prometer para mim mesmo: não, não vou morrer vocês vão ver! Vou ficar sadio, vou crescer ... (promessa enganosa), ficar rico e comprar uma fazenda e um carro de bois... Vou, vou,... Muitas promessas!   Bem, eu escapei, virei homem, realizei muitas coisas que pareciam impossíveis. Dos 16 anos até quando minha mãe faleceu aos 75 anos, eu cuidei dela – talvez pudesse ter cuidado muito mais e lhe dado muito mais carinho que dei, mas nunca mais ela precisou viver na casa dos outros e ser maltratada pelos serviços duros que fazia. Mas confesso: nunca comprei o tal carro de boi e nem passei de 1,65 m. Que dó, poderia ser pelo menos 1,70m!!!!

Mas quero deixar claro que não acredito que minha tia tenha falado aquilo com a intenção de magoar (foi de matar mesmo – brincadeira) Ela era diferente, falava o que pensava e a franqueza às vezes pende para a ignorância. Eu sei que apesar de tudo ela não me odiava e isso ficou claro quando me casei em 1978.  Voltarei ao assunto oportunamente.  

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