sexta-feira, 19 de julho de 2013

Pedro e sua história capítulo 12



As Turmas – violência pura

Hoje fico pensando como já naquele tempo, tinha muita gente ensaiando para marginais organizados do futuro. Acontece que Patos de Minas era uma cidade de gente muita “braba”  e morria gente matada quase todo dia. Não precisava muito para alguém levar um tiro e os filhos, acabavam tendo sua forma de desabafo também.  Eram verdadeiras organizações, que nunca soube como surgiram, mas fiquei logo sabendo como funcionavam :

O Centro tinha uma turma e um chefe, geralmente o mais forte e mais perigoso! Era cheio de moral e contava com verdadeiros soldados a sua volta.  Cada bairro tinha também sua turma e um chefe. Vez ou outra marcavam dia e local para tirarem as diferenças.  Ao definirem dia e local, definiam também se a briga iria acontecer somente com as mãos ou se poderia ser empregado o cabo de aço, o soco inglês, o estilingue, etc, etc. Maior parte  era só na mão, pois tanto o cabo de aço (fino) quanto o soco inglês, causava enormes estragos e os pais acabavam se envolvendo.  As turmas tinham fronteiras e atravessa-las carecia de uma  autorização expressa, assinada pelo chefe, justificando a necessidade do deslocamento. A autorização era do próprio chefe daquele que ira atravessar a fronteira. Ele gozava do principio da verdade e assim sua autorização tinha que ser respeitada não só para os da mesma turma mas da turma do bairro para onde se deslocasse.

 Assim, se um garoto do centro precisasse ir na Avenida Brasil, Bairro de Fátima, Capuchinhos,  etc –  e estivesse conduzindo a autorização por escrito, dizendo a hora estimada da volta,  ninguém daquele bairro poderia tocar nele. Na verdade ai daquele que pegasse o visitante e batesse, se ele fosse detentor de uma autorização para tanto! O próprio chefe dele, para não perder o respeito, enchia o comandado de porradas. Se isso não acontecesse, além do chefe daquele bairro ficar desmoralizado perante todos os outros chefes, era convidado para a tal briga, assistida por representantes de outras turmas. 

Tão logo cheguei, pelo grande destaque físico – parecia uma lombriga, fui logo escalado como mensageiro. Era o garoto dos recados e comunicações entre a gang do centro e os demais bairros.  Imagine ter que obedecer a mãe e os padrinhos e ainda ter tempo para obedecer os chefes de turmas! Os meus me lembro bem dos nomes estranhos: “ Faquir, outro,  Xirim...   Mas, em casa eu também era o tal que ia comprar isso, vai buscar aquilo e assim ia tentando levar as ordens de todos. Era melhor prá mim, acreditem.

Numa das vezes, por exemplo, eu precisava tomar injeções no bairro da Igrejinha, na farmácia de um amigo da família, mas não podia relatar a situação para minha mãe; Como mensageiro eu tinha um trânsito mais ou menos livre, até porque era muito pequeno. Mas não quis me arriscar e pedi logo o papelzinho para meu chefe, peguei a bicicleta e lá ia eu todo dia tomar a bendita agulhada. Depois de alguns dias mal cheguei no   bairro   fui abordado por dois amiguinhos maiores que eu,  que começaram a me dar aqueles tapinhas irritantes, me convidando para brigar. Cadê a autorização baixinho? –Eu sempre repetia:    já disse que foi entregue dizendo o tanto de vezes que eu viria, ou seja até acabar as injeções! Mas não queriam saber e eu já via a coisa preta! Reagir, nem pensar, os guris eram maiores e mais fortes e eu ... estaria lascado!  Foi então que do nada apareceu uma estrela que brilhou na minha vida: o próprio chefe deles, que por absoluta coincidência fazia o mesmo percurso. Menino, ali eu vi que a coisa funcionava! O chefe, depois de deixar as orelhas dos guris vermelhas de tanto tapa, me pediu desculpas e ainda me mandou  dizer para meu chefe que aquilo não voltaria acontecer. Olha, para mim uma criança que não tinha a menor condição de fazer avaliação de valores, significou um banho de moral, de credibilidade, de honra... Naquele bairro, nunca mais ninguém ousou mexer comigo! Aliás em bairro nenhum pois eu era cauteloso, para não dizer medroso.

O Zé da Sorte – Juiz de paz

Essas turmas eram engraçadas: às vezes lutavam entre si e era pauleira mesmo. Mas às vezes se uniam em torno de um objetivo, nem sempre os melhores, mas se tornavam muito eficientes  e perigosos embora nunca soubesse ter ocorrido alguma morte.

Zé da Sorte, era o nome de um  conhecido juiz de paz da cidade. Não sei exatamente como, mas era também uma espécie de Juiz de menores também.

Naquela época estava em moda os lança perfumes, o sangue de capeta (tinta vermelha que manchava qualquer roupa para sempre. Nas lojas vendiam bananas, sapos e diversos modelos de recipientes plásticas que eram enchidos com tinturas, coisas mal cheirosas que pressionados, lançavam o conteúdo e causavam estragos. Certa vez chegou um primo caipira lá em casa e mal saiu do quarto com aquela camisa branquinha, de mangas compridas, encontrou o João Bento lhe esperando com a maldita banana cheia de tinta. Coitado!  Coitado do João também que levou uma surra da madrinha.

Acontece que justamente nas ocasiões de Carnaval, estes brinquedos sofriam grande perseguição do Zé da Sorte, que mandava simplesmente toma-las e corta-las ali mesmo na rua.  Adeus brinquedinho! Adeus dinheirinho!

A garotada se revoltou. Os chefes que medo não conheciam se reuniram e combinaram a ação conjunta na principal rua da cidade -  Rua Major Gote! Tudo combinado, o Juiz estaria no cruzamento da Major Gote com a Olegário Maciel.  Compraram muitas bananas e outros modelos.  Conseguiram arrumar muita água de bateria. De repente, todos avançaram em cima do homem e tome água de bateria, sangue de capeta, mijo e tudo que a “santa” criatividade conseguiu.  Foi uma coisa horrível e o homem teve de ser socorrido pelos PMs que ali mesmo, com a ajuda de um lençol ou cobertor, tirou toda a roupa do pobre juiz, para protege-lo daqueles produtos. A roupa dele ficou ali no chão, ninguém quis pegar. E com certeza sua pele muito branca ardia muito.

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