As Turmas – violência pura
Hoje fico pensando como já
naquele tempo, tinha muita gente ensaiando para marginais organizados do
futuro. Acontece que Patos de Minas era uma cidade de gente muita “braba” e morria gente matada quase todo dia. Não
precisava muito para alguém levar um tiro e os filhos, acabavam tendo sua forma
de desabafo também. Eram verdadeiras
organizações, que nunca soube como surgiram, mas fiquei logo sabendo como
funcionavam :
O Centro tinha uma turma e um chefe,
geralmente o mais forte e mais perigoso! Era cheio de moral e contava com
verdadeiros soldados a sua volta. Cada
bairro tinha também sua turma e um chefe. Vez ou outra marcavam dia e local
para tirarem as diferenças. Ao definirem
dia e local, definiam também se a briga iria acontecer somente com as mãos ou
se poderia ser empregado o cabo de aço, o soco inglês, o estilingue, etc, etc. Maior
parte era só na mão, pois tanto o cabo
de aço (fino) quanto o soco inglês, causava enormes estragos e os pais acabavam
se envolvendo. As turmas tinham
fronteiras e atravessa-las carecia de uma
autorização expressa, assinada pelo chefe, justificando a necessidade do
deslocamento. A autorização era do próprio chefe daquele que ira atravessar a
fronteira. Ele gozava do principio da verdade e assim sua autorização tinha que
ser respeitada não só para os da mesma turma mas da turma do bairro para onde
se deslocasse.
Assim, se um garoto do centro precisasse ir na
Avenida Brasil, Bairro de Fátima, Capuchinhos,
etc – e estivesse conduzindo a
autorização por escrito, dizendo a hora estimada da volta, ninguém daquele bairro poderia tocar nele. Na
verdade ai daquele que pegasse o visitante e batesse, se ele fosse detentor de
uma autorização para tanto! O próprio chefe dele, para não perder o respeito,
enchia o comandado de porradas. Se isso não acontecesse, além do chefe daquele
bairro ficar desmoralizado perante todos os outros chefes, era convidado para a
tal briga, assistida por representantes de outras turmas.
Tão logo cheguei, pelo grande
destaque físico – parecia uma lombriga, fui logo escalado como mensageiro. Era
o garoto dos recados e comunicações entre a gang do centro e os demais
bairros. Imagine ter que obedecer a mãe e
os padrinhos e ainda ter tempo para obedecer os chefes de turmas! Os meus me
lembro bem dos nomes estranhos: “ Faquir, outro, Xirim...
Mas, em casa eu também era o tal que ia comprar isso, vai buscar aquilo
e assim ia tentando levar as ordens de todos. Era melhor prá mim, acreditem.
Numa das vezes, por exemplo, eu
precisava tomar injeções no bairro da Igrejinha, na farmácia de um amigo da
família, mas não podia relatar a situação para minha mãe; Como mensageiro eu
tinha um trânsito mais ou menos livre, até porque era muito pequeno. Mas não quis
me arriscar e pedi logo o papelzinho para meu chefe, peguei a bicicleta e lá ia
eu todo dia tomar a bendita agulhada. Depois de alguns dias mal cheguei no bairro
fui abordado por dois amiguinhos maiores
que eu, que começaram a me dar aqueles
tapinhas irritantes, me convidando para brigar. Cadê a autorização baixinho?
–Eu sempre repetia: já disse que foi
entregue dizendo o tanto de vezes que eu viria, ou seja até acabar as injeções!
Mas não queriam saber e eu já via a coisa preta! Reagir, nem pensar, os guris
eram maiores e mais fortes e eu ... estaria lascado! Foi então que do nada apareceu uma estrela
que brilhou na minha vida: o próprio chefe deles, que por absoluta coincidência
fazia o mesmo percurso. Menino, ali eu vi que a coisa funcionava! O chefe,
depois de deixar as orelhas dos guris vermelhas de tanto tapa, me pediu
desculpas e ainda me mandou dizer para
meu chefe que aquilo não voltaria acontecer. Olha, para mim uma criança que não
tinha a menor condição de fazer avaliação de valores, significou um banho de
moral, de credibilidade, de honra... Naquele bairro, nunca mais ninguém ousou
mexer comigo! Aliás em bairro nenhum pois eu era cauteloso, para não dizer
medroso.
O Zé da Sorte – Juiz de paz
Essas turmas eram engraçadas: às
vezes lutavam entre si e era pauleira mesmo. Mas às vezes se uniam em torno de
um objetivo, nem sempre os melhores, mas se tornavam muito eficientes e perigosos embora nunca soubesse ter
ocorrido alguma morte.
Zé da Sorte, era o nome de um conhecido juiz de paz da cidade. Não sei
exatamente como, mas era também uma espécie de Juiz de menores também.
Naquela época estava em moda os
lança perfumes, o sangue de capeta (tinta vermelha que manchava qualquer roupa
para sempre. Nas lojas vendiam bananas, sapos e diversos modelos de recipientes
plásticas que eram enchidos com tinturas, coisas mal cheirosas que pressionados,
lançavam o conteúdo e causavam estragos. Certa vez chegou um primo caipira lá
em casa e mal saiu do quarto com aquela camisa branquinha, de mangas compridas,
encontrou o João Bento lhe esperando com a maldita banana cheia de tinta.
Coitado! Coitado do João também que
levou uma surra da madrinha.
Acontece que justamente nas
ocasiões de Carnaval, estes brinquedos sofriam grande perseguição do Zé da Sorte,
que mandava simplesmente toma-las e corta-las ali mesmo na rua. Adeus brinquedinho! Adeus dinheirinho!
A garotada se revoltou. Os chefes
que medo não conheciam se reuniram e combinaram a ação conjunta na principal
rua da cidade - Rua Major Gote! Tudo
combinado, o Juiz estaria no cruzamento da Major Gote com a Olegário
Maciel. Compraram muitas bananas e
outros modelos. Conseguiram arrumar
muita água de bateria. De repente, todos avançaram em cima do homem e tome água
de bateria, sangue de capeta, mijo e tudo que a “santa” criatividade
conseguiu. Foi uma coisa horrível e o
homem teve de ser socorrido pelos PMs que ali mesmo, com a ajuda de um lençol
ou cobertor, tirou toda a roupa do pobre juiz, para protege-lo daqueles
produtos. A roupa dele ficou ali no chão, ninguém quis pegar. E com certeza sua
pele muito branca ardia muito.
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