segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pedro e sua história - capítulo 14



Capítulo 14

A ESCOLA – Grupo Escolar Marcolino de Barros

Boa escola, bons pátios para brincar e boa sopa. Minhas professoras deviam ser realmente boas, pois até hoje me recordo do nome completo delas: Vanilda da Rocha Trajano e Maria José da Fonseca, desta, quando queríamos nos vingar de algum castigo, gritavamos de longe: Maria José da Fonseca, uma perna dura e outra seca. Que falta de apanhar!

A escola entrou em reformas e nossa turma foi parar nas dependências de uma igreja, salvo engano, evangélica, onde havia algumas salas.  As professoras mudaram e as matérias de história e geografia, por exemplo, era tudo na base da anotação. Haja cadernos!

Reginaldo o valente

Havia dois colegas que marcaram presença: O Gaspar, porque era amigo e a gente se dava muito bem; o outro, Reginaldo era um garoto que vinha de uma ou duas repetições e além de maior e mais forte, fazia questão de demonstrar isso, batendo na gente. Nas provas ele queria cola e minha escolha era simples: arriscava ter a prova tomada pelo professor se me visse dando cola ou levava uns tapas lá fora. Simples, só escolher. Eu tanto tinha muito medo dos professores quanto do Reginaldo. Se o professor descuidava eu dava cola pra ele e se não, era o jeito é esperar a sessão de tapas. Que agonia, às vezes a professora entrava repentinamente e lá estava eu correndo sobre as carteiras, fugindo do Reginaldo. Ele que andava entre as carteiras, sentava-se bruscamente e ela nem notava. Tinha vontade de contar: professora é o Reginaldo! Mas o fato é que ele iria negar, os colegas não tinha coragem de desafiá-lo e eu preferia o castigo do que sua terrível vingança. Resultado, a professora me colocava pra fora da sala, como castigo.  Você já conhece a estória da corda que arrebenta sempre no lado mais fraco, né?  Se fosse hoje falaria no bulling.

A bondosa diretora

Minha saída “estratégica” da sala começou a ficar mais constante que eu queria.  O sol da manhã queimava a pele e as pernas doíam, ali, de pé, ao lado da porta. Eu não podia me afastar pois estava de castigo e só ficava do lado de fora para não desviar a atenção dos demais alunos.  Certo dia passando por ali a diretora, se interessou pelo caso: menino, não é a primeira vez que te vejo ai, o que ta acontecendo? – nada diretora! Ah tem sim, vem comigo.  Mas...  Não se preocupe, falarei com a professora depois – este sol vai te fazer mal e, portanto você vai cumprir seu castigo na diretoria.   Que fazer? “quem tem, tem medo “ e castigo por castigo certamente não seria muito pior! Segui a diretora e lá, com muito custo ela ganhou minha confiança e prometendo nada contar para o Reginaldo e nem para a professora que iria castiga-lo me fritando do mesmo jeito, findei contando para ela os motivos que me levavam aquela preferência de ficar fora da sala. Ela então me disse que eu ficasse tranquilo, pois ela própria iria investigar a situação e achar uma solução, sem que eu pagasse. Fiquei feliz e muito confiante então, sentado por ali (pelo menos sentado).

Na diretoria havia uma vasta biblioteca e tantos livros despertavam meu olhar pedinte. Acompanhando meu olhar a diretora disse: - devolvendo para o lugar, pode pegar o livro que quiser.  Quem falou que ouvi o sinal do fim das aulas? Estava ali, agarrado na leitura quando então fui aconselhado a ir para casa. No dia seguinte, agüentei firme na sala, pois precisa me recuperar. Mas no outro seguinte, não resisti a vontade de voltar a biblioteca. Esperei então quando vinha a professora e virei para o Reginaldo e disse um impropério qualquer.  O garoto partiu pra cima de mim igual um trator e eu, leve como pluma voava sobre as carteiras. - Pedro! – já sei professora: de castigo lá fora! E sequer esperando a sentença, já fui logo pra junto da parede do lado de fora.  Esperei um pouco: acho que alguns segundos e lá estava eu na porta da direção com um olhar pidão e dizendo: o sol ta quente diretora.  A diretora me olhou sobre os óculos, pensou um pouco e disse: entre.

Acho que abusei um pouco, pois foram tantas as vezes que compareci na direção, que a diretora resolveu apurar o fato.  A professora, vendida só soube dizer que sempre me pegava correndo pela sala e por isso me colocava pra fora. Perguntado sobre as notas, constatou-se que sempre estava em primeiro ou segundo lugar. Informada, a professora ficou sabendo que na verdade o tempo todo eu estudava na diretoria e por isso não perdia a média de notas.  Então a própria professora também resolveu acordar e chamar alguns colegas: O Gaspar não serviu, pois era meu amigo e a Maria José, também não, pois se sentava a minha frente e acho que suspeitaram que  eu passava grande parte do tempo segurando sua mão.  Mas os outros esclareceram os fatos: “o Reginaldo pegou o Pedro pra cristo, porque ele se nega a lhe dar cola e então além de bater nele lá fora, passou a tentar faze-lo na sala”. Isso no princípio, porque depois eu parecia estar gostando de ser mandado pra fora.   Entraram num acordo e a professora resolveu a flagar o Reginaldo e dar um jeito na situação. A diretora por sua vez disse: - olha, você não precisa mais sair da sala para ler aqui. Vou te emprestar os livros que quiser, um de cada vez, se prometer se comportar! – Sim diretora, obrigado diretora, o Reginaldo pode me bater que eu não vou mais correr na sala.

O “Amigo” Reginaldo

Resolvi contar a estória para meu chefe de turma! Pêra ai, eu não era bandido, era apenas o mensageiro da turma, se lembram? Mas voltemos ao Reginaldo. O chefe mandou alguém me esperar na saída da escola. Era um garoto forte e bão de briga. Coitado do Reginaldo! Foi flagrado justamente quando começou a me dar uns tapinhas irritantes e prometendo acabar comigo. O emissário da turma, que chegava de bicicleta se aproximou e disse: você sempre bate nos menores? Bate num do seu tamanho! E ele – eu bato mesmo e partiu pra cima do rapaz. Mas olhe o cara não teve dó: além de murros, arrancou uma daquelas ripas de proteção de mudas na praça e lhe deu tanta pancada que foi preciso eu pedir até pelo amor de Deus para que ele não batesse mais. E eu tentava convencer: olha ele só um bobão filho de rico, mas não é tão mau, eu não quero que machuque ele, vamos embora... por fim quis me colocar sentado no cano da bicicleta e disse vamos embora. E eu dizia, não pode deixar eu vou a pé.. e a bronca veio: cala boca garoto, o chefe me mandou te proteger e escoltar e você sabe muito bem que ele vai estar esperando! Monta logo!!!  Obedeci né, aliás vou te dizer, garoto pequeno, magro e sem pai só serve pra obedecer, você já notou? Todo mundo manda em você!

Depois daquele dia, eu não sabia quem queria ser mais político. Se eu ou o Reginaldo. Eu porque tinha receio dele e ele com medo do grandão voltar por ele havia lhe prometido que se o Reginaldo me tocasse novamente ele voltaria para “acabar com ele” Daí em diante, mesmo quando sem intenção nenhuma ele olhava pra mim, eu logo ia dizendo :  meu amigo ta lá fora, viu? Mas aquela situação estava cada vez mais difícil manter sob controle.  Foi então que aproveitando uma boa ocasião de prova, arrumei um jeito e deixei que ele colasse a vontade. Acho que ele nunca tirou uma nota tão alta na vida. Foi tão alta que a professora suspeitou e colocou-nos um em cada lado da sala.  Mas ele achou tão bom que disse: daqui pra frente, sou seu protetor e ninguém toca nocê. Era tudo que eu queria ouvir. Então fiz-lhe uma oferta: olha, não posso te dar mais cola, porque estamos sentando muito longe um do outro.  Mas vou te ajudar com as matérias – vamos estudar juntos pra prova, ta bem?  O garoto não tinha amigos, pois era filho de gente rica e aprendeu exigir em vez de pedir.   Ficou tão feliz que passou a me convidar para ir a sua casa. Na primeira vez, ressabiado levei comigo o Gaspar. Depois passei a ir com e sem ele e naquela casa não faltava bons lanches para o professor mirim.

Moral e fim da estória: recebi meu prêmio e melhor nota na Rádio Clube de Patos e o Reginaldo finalmente desencalhou do segundo ano primário e o mais importante de tudo é que findei arrumando um grande e fiel amigo.  Parece coisa do Van Dame, apanha, apanha e depois vence a luta!