Capítulo 13
Pensão São Pedro
1-
Brincadeira sem graça
- Uma vez negociante, sempre
negociante. Antônio Bento vendeu a pensão e comprou outra na rua detrás do
antigo ferro velho, numa esquina da rua Agenor Maciel com a rua que descia para
o tal Córrego do Monjolo. Na rua do Monjolo havia um hotel que se chamava Jóia
Hotel, do sr. João das jóias. Além de pensão, agora tinha também uma venda.
Nesta venda deu tanto rato, que comeram todos os estopins dos foguetes.
Fogueiras de São João, os três ( Pedro, José e João) começaram a desmontar os
foguetes, afim de aproveitar as bombinhas, jogando-as diretamente na fogueira.
Algumas findaram caindo fora e não estouraram. Começaram a pega-las e atira-las
novamente no fogo. Uma delas , no exato momento em que a peguei, havia queimado
o cordão que amarrava o papel da pólvora e esta, incendiando-se, espalhou toda
na palma da mão e dedos. Foi uma grande noite acordado tentando fazer parar a
dor.
2-
Moleque mau - Mas enquanto ali residente, muitas coisas
aconteceram. Primeiro, queimei a mão com a brincadeira das bombinhas de
foguete. Noutro dia fui pela primeira
vez visitar um pequeno parque infantil que ficava numa praça (praça dos
boiadeiros) logo adiante na mesma rua (Agenor Maciel). Beleza, escorregadores,
areia, que monte de brinquedos! Subi logo na escada do escorregador e lá de
cima me soltou. Já chegando ao solo, um
garoto me esperava para dar-me boas vindas, com um punhadão de areia nos olhos.
OH dó! Ainda bem que chorei muito e a areia ia saindo junto com as lágrimas. O
moleque ruím? Nunca soube quem era.
3-
Pequeno acidente de caminhão - Noutro dia acompanhamos
(eu e João Bento) o padrinho e seu motorista Jadir numa pequena viagem a Vazante.
Fomos quatro na cabine do caminhão Chevrolet. Não me lembro bem o que ele levou
de carga, mas me lembro que na volta veio cheio de sacas de milho e sobre a
lona, para não perder a viagem duas gaiolas cheias de frangos caipira. Aquela e
outras cargas ele normalmente levava para Patos de Minas ou para Curvelo e
Gouvêia, de onde trazia cachaça. A viagem de volta estava boa, até que na
estrada, se compadecendo de uma senhora, nos colocou sobre a carga e mais na
frente deixou que um senhor fizesse o mesmo. Ele não sabia dizer não. Acontece
que já na entrada de Patos de Minas (a antiga chegada de Vazante – hoje é mais
ou menos acima do bairro Caiçara) o caminhão resolveu perder os freios. Como o
motorista percebeu isso logo no início da descida, acertadamente decidiu
encostar o caminhão no barranco até fazê-lo parar, pois do contrário seria uma
catástrofe quando adentrasse de vez na cidade.
Durante toda a
viagem, embora criança, sempre vinha alertando ao senhor que nos acompanhava
sobre a carga que ele deveria segurar-se nas cordas. Mas ele dando pouca
atenção as recomendações de uma criança, dizia que eu não me preocupasse. Pois
bem, quando vi que o caminhão em vez de diminuir parecia correr mais, percebi
logo o perigo e gritei: Joãozinho, segura na corda porque a gente vai
bater. Mas não o fez a tempo ou não
conseguiu se segurar e na primeira encostada do caminhão caíram os dois
justamente para o lado da rua. O Joãozinho arrebentou a rótula ficando o joelho
exposto, arranhou-se todo e salvo engano ainda quebrou um braço. O senhor
caroneiro, quebrou costelas e se machucou bastante, ficando muito tempo no
hospital as custas de meu padrinho. Eu, contrariando a sorte até então, nada
sofri. Acontece que somente me desgrudei das cordas quando o caminhão parou e
meio desorientado pulei pelo lado do barranco, caindo dentro de uma enorme
moita de capim. Enquanto socorriam os feridos meu padrinho que não me via e
outros começaram a me gritar e procurar por onde passou o caminhão pensando no
pior, até que eu consegui me desvencilhar dos ramos e aparecer respondendo tô
aqui, tô aqui. Na cabine ninguém se machucou e enquanto o Nadir me levou para
casa, meu padrinho foi com o Joãozinho e caroneiro para o hospital. Acreditem, o susto foi bem grande para mim e
para o Joãozinho custou um bom tempo para aquele joelho fechar tudo. A cicatriz
foi para sempre.
4-
O que não presta todo menino aprende – Nossa rua tinha
um longo muro e um longo passeio. Ao final da rua, quase chegando no cruzamento
com a rua Major Gote (era rua, salvo engano, embora a mais importante da
cidade) existe até hoje um cinema. Por
esta rua e os ditos passeios passava-se muita gente, especialmente casais de
namorados, sempre muito elegantes. É, os rapazes inclusive usavam ternos,
relógio no braço e brilhantina na cabeça. As moças se vestiam ricamente de
saias e vestidos sempre novos – não havia a moda de jeans e nem shortes, tudo
era muito chique. E os garotos, muito
santinhos, estavam ali para bagunçar a vida dos outros. Você acredita, que eles
pegavam uma latinha de extrato – daquela pequena, enchiam com qualquer coisa,
inclusive urina e merda e após amarrar uma linha bem forte (de soltar papagaio
preferencialmente preta) no seu meio e depositar sobre o muro, esticava a linha
até a beirada do meio fio e ali fixava com um pedaço de tijolo. O casal, coitados, além de andar cochichando
as suas declarações amorosas não percebiam a linha e de repente, coc. Ao tocar
a linha a lata despencava sobre eles e a “merda” tava pronta. Chingavam, se
lamentavam e de longe os capetinhas estavam a curtir o momento. O jeito era
voltar pra casa para se trocarem. Olha,
com o tempo, raramente alguém andava naquele passeio a noite. Quando era apenas água eu até achava
engraçado, mas do resto eu ficava muito contrariado com a turminha.
5-
Duzentos cruzeiros – pois é, apesar de assistir a
turminha de vez em quando, como disse, tínhamos a venda para cuidar durante o
dia e nos fins de semana, meu padrinho costumava arrumar uma atividade extra:
vender frangos e leitoas no mercado municipal. Como se trava de animais vivos,
a gente se postava na orla externa do mercado e ali gritava oferecendo os
animais. Certa vez estando de pé e bem cansado comecei a olhar o chão ao redor
e advinhe o que vi? Uma trouxinha formada por uma nota azul por dentro e
laranjada (?) por dentro. Disfarcei e coloquei o pé sobre a mesma e minuto
depois novamente disfarçando me abaixei, peguei a nota e coloquei no bolso,
certo de que ali estava garantido o meu picolé. Achei que podia ser uma nota de
dois cruzeiros. Mas me agucei e pensei: e se for de vinte? Coloquei a mão no
bolso e disfarçado fui tentando abrí-la com uma só mão e vendo que já havia
desembrulhado um canto, olhei rádido: Meu Deus é vinte cruzeiros, estou feito:
picolés, pão com café (comprava o pão, furava e enchia de café!) e as matinês
do cinema no domingo... ai que aflição, vou no banheiro para ver direito.
Padrinho, tô apertado, posso ir ao banheiro? Vá rápido disse ele. Virei um anil
no mundo e lá no banheiro, de porta fechada, tremendo, tirei a nota do bolso e
abri toda... que é isso meu Deus? Duzentos reais, eu tô rico. Voltei para a
venda das leitoas e frangos que nunca se acabavam. Eu precisava contar para
minha mãe e mandar ela guardar meu dinheiro.
Em casa, finalmente em casa eu chamei minha mãe até o quarto: mãe vem
cá. - Pra quê menino? – mãe vem cá!!! Finalmente ela foi e ali relatei tudo.
Pedro conte essa estória direito! Mãe eu não minto prá senhora e só não contei
pro padrinho porque ele não iria deixar eu ficar com o dinheiro! A senhora sabe
né mãe que ele não me dá dinheiro para ir ao matinê e a senhora não tá tendo!
Agora, a senhora troca o dinheiro e todo domingo a senhora me dá o valor da
entrada. Se a senhora quiser pode ficar com a metade! Naquele tempo o sonho de todo garoto era
colecionar revistas e assistir os seriados de seus heróis: Roy Roggers, Tarzan,
Batman e Robin, Zorro e Tonto, Lessie e tantos outros. A gente ia para a matinê
com os braços repletos de revistas para trocar uma por outra, duas por uma ou
inverso e enfim, dependia da raridade da coleção. Bom levei bons meses para acabar com o rico
dinheirinho.